A indústria é uma das principais fontes de aumento das emissões de gases de efeito estufa atualmente, podendo se tornar a maior fonte de emissões em menos de uma década.
Para se alinhar ao Acordo de Paris, o setor industrial precisa zerar suas emissões líquidas de dióxido de carbono (CO2) até 2050.
Considerando que a vida útil de seus equipamentos varia entre 15 a 25 anos, todos os novos investimentos precisarão considerar esse cenário. Isso exigirá a adoção de novas tecnologias, aumento da eficiência de processos energéticos e de produção, melhoria na reciclagem, eletrificação dos processos existentes e maior inserção de combustíveis de baixo carbono.
Espera-se que o crescimento das emissões industriais venha de países não membros da OCDE, também conhecidos como países em desenvolvimento, com economias de média renda.
Hoje, a produção de aço é responsável por aproximadamente 7% das emissões globais, com um balanço de emissões de 2,6 GtCO2 por ano – sem contar o adicional de 1 GtCO2 pelo seu uso elétrico.
Portanto, existe uma crescente necessidade de descarbonizar esse setor, que é de grande relevância para a economia brasileira.
A produção global de aço é altamente concentrada geograficamente, pois mais da metade do aço do mundo é atualmente produzido na China.
De acordo com a Worldsteel Association, o Brasil ocupa a nona posição global na produção de aço, o que evidencia a importância de identificar soluções nacionais para investir em tecnologias e eficiência energética, visando reduzir nossa pegada de carbono.
O processo siderúrgico se tornou comum durante a Revolução Industrial.
Devido as propriedades do aço, que incluem maior resistência ao desgaste, impacto, corrosão, além de possuir baixo custo, esse metal passou a representar cerca de 90% dos metais industriais mais consumidos.
O principal método de produção de aço é o alto-forno, que depende muito de combustíveis fósseis, como o carvão, para gerar o calor necessário para fundir o minério de ferro.
O carvão também funciona como agente químico para remover o oxigênio do minério de ferro durante o processo de redução.
Outro método que vem ganhando espaço no contexto de descarbonização desse setor é o Forno Elétrico a Arco (FEA).
Esse método utiliza eletricidade e é mais eficiente em termos energéticos, tornando essa uma opção mais sustentável, além de permitir que o aço seja reciclado infinitamente sem perder suas propriedades originais, garantindo que a geração de sucata de aço não se torne um problema ambiental.
De acordo com a Climate Bonds Initiative (CBI), cerca de 70% da produção de aço no mundo utiliza o método do alto-forno, enquanto os outros 30% utilizam a solução mais sustentável oferecida pelo FEA.
A boa notícia é que, apesar do aumento gradual das emissões de aço, os próximos anos podem ser decisivos para a transição desse setor por alguns motivos relacionados à infraestrutura física e financeira da produção de aço para suprir a demanda global.
A CBI aponta que dois terços da produção global que utiliza o alto-forno precisarão receber investimentos até 2030 para manter sua produção no mesmo nível, o que significa uma janela de oportunidade para aumentar o uso do FEA.
Além disso, investir no uso contínuo de combustíveis fósseis em uma indústria com um longo ciclo de vida aumenta o risco de que novos empreendimentos ou reinvestimentos em altos-fornos se tornem ativos encalhados (stranded assets).
A vida útil de ativos de aço frequentemente ultrapassa 40 anos, e as escolhas de investimento feitas hoje definirão se empresas siderúrgicas estarão ou não alinhadas a um cenário de emissões líquidas zero (net zero), evitando ativos encalhados e riscos adicionais de perdas econômicas.
O grande desafio é o custo da transição de uma indústria de capital intensivo e de tecnologias de baixo carbono que ainda não ganharam escala.
Estima-se que sejam necessários 47 bilhões de dólares por ano para atender à crescente demanda de aço até 2050, mantendo as instalações existentes.
Caso a escolha seja adotar tecnologias de transição, será necessário um adicional de 8-11 bilhões de dólares por ano.
Outras alternativas para a redução de emissões na cadeia de produção de aço incluem a captura, armazenamento e uso de carbono (CCUS), o hidrogênio verde, a eletricidade a base de energias renováveis e a bioenergia.
O uso dessas tecnologias varia de acordo com a geografia e contexto local, como, por exemplo, a disponibilidade de renováveis para geração de hidrogênio e eletricidade.
Vale ressaltar que cada tecnologia apresenta riscos, como a biomassa pode impactar o uso da terra, e CCUS por não absorver emissões de metano.
Dado o alto nível de capital necessário, e estudos sobre quais riscos e tecnologias devem ser alcançadas conforme as características locais, investidores institucionais, bilaterais e multilaterais vêm impulsionando o financiamento da descarbonização industrial.
Esses são desafios encontrados não apenas na siderurgia, mas também na produção de cimento, petroquímicos, papel e celulose, dentre outros.
A indústria é um dos setores mais desafiadores para descarbonizar.
As tecnologias de baixo carbono mencionadas ainda estão em desenvolvimento ou são muito caras, e os ativos industriais têm longas vidas úteis e são substituídos infrequentemente.
Para chegarmos lá, será necessário promover um diálogo maior entre governo, indústrias e investidores em busca de soluções.
Políticas públicas industriais e maior atenção ao setor, como foi dada no Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, ajudam a promover uma visão de sustentabilidade nas indústrias que é urgente para garantir a produção de aço com menor impacto social e ambiental.
*Artigo publicado na edição 51ª da Full Energy.
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Eduarda Zoghbi é cientista política pela Universidade de Brasília e mestre em administração pública e política energética pela Universidade de Columbia. Possui experiência profissional nas áreas de energia, mudança climática e gênero, tendo trabalhado em diversas organizações internacionais como: ONU, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Eduarda já recebeu os prêmios REvolutionaries, Global Youth Visionary, Environmental Education 30 Under 30 e faz parte do programa Women Leaders in Energy Fellowship do Atlantic Council. Hoje está liderando a expansão do programa Women In Energy da Universidade de Columbia para o Brasil.