A realização da COP30 em Belém (PA), em novembro de 2025, marca um momento singular para o Brasil reafirmar sua liderança na agenda climática internacional.
Entre os diversos instrumentos normativos e políticas públicas aprovadas recentemente, a Lei nº 14.993/2024 — denominada Lei dos Combustíveis do Futuro — desponta como pilar estruturante da transição energética brasileira, ao estabelecer um marco regulatório para combustíveis de baixa emissão e com foco na mobilidade sustentável.
A norma consolida uma arquitetura legal ambiciosa e multifacetada, abrangendo o ProBioQAV (Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação), o PNDV (Programa Nacional de Diesel Verde) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural, além de instituir mecanismos que têm sido objeto de ampla interlocução entre os agentes do setor, como o Certificado de Garantia de Origem do Biometano (CGOB).
“Seu escopo vai além da substituição tecnológica, ao inaugurar uma nova governança climática, centrada em rastreabilidade, metas graduais de redução de emissões e incentivos à inovação, incluindo combustíveis sintéticos e CCS/CCUS (captura e estocagem geológica de dióxido de carbono), inclusive em iniciativas de bioenergia avançada”, afirma Julia Barker, advogada do Stocche Forbes, especializada em legislações relativas aos combustíveis do futuro.
Segundo dela, diante desse cenário, a COP30 também tem o relevante papel de reforçar e catalisar a credibilidade climática brasileira.
“Com a crescente desconfiança global quanto à efetividade de compromissos climáticos, demonstrar avanços concretos nas metas previstas pela Lei dos Combustíveis do Futuro — com indicadores transparentes de descarbonização e integração tecnológica — será determinante para reforçar a confiança internacional e atrair investimentos estratégicos. Trata-se de transformar ambição normativa em credibilidade climática global, ancorada em entregas verificáveis”, acrescenta Júlia.
Sob a égide da referida Lei, o país projeta um horizonte de investimentos da ordem de R$ 260 bilhões até 2037, com potencial de evitar a emissão de mais de 700 milhões de toneladas de CO₂.
“Estudo recente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que, até 2030, o setor de biocombustíveis poderá movimentar cerca de R$ 1 trilhão. Os dados, por si só, expressam o alcance dessa legislação como propulsora de mudanças estruturais no setor de transportes, responsável por cerca de um terço das emissões nacionais”, ressalta a advogada do Stocche Forbes.
Outro fator é que ao considerar o biometano como exemplo paradigmático.
Atualmente, a ANP indica uma capacidade, cuja operação já foi autorizada, de pouco menos de 700.000 Nm³/dia, com mais de 1,2 milhão de Nm³/dia de projetos em fase de autorização.
Em 2025, o Brasil já conta com 12 unidades com autorização operacional e outras 35 em processo de licenciamento, aumento substancial em comparação às 4 instalações produtoras autorizadas até 2023.
O volume produzido tem potencial para atingir 8 milhões m³/dia até 2030.
Nesse contexto, destaca-se também o Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGB), instituído pelo Decreto nº 12.153/2024, com vistas a promover uma estratégia integrada para o desenvolvimento da oferta, demanda e infraestrutura do setor.
O plano contempla escoamento, processamento, estocagem, transporte e distribuição do gás, incluindo o biometano, de forma a otimizar o uso de recursos e garantir capilaridade logística.
Nesse processo de transição, destaca-se, ainda, o avanço na estruturação de biorrefinarias, conceito que reúne instalações integradas voltadas à conversão de matérias-primas em energia, combustíveis e produtos químicos de alto valor agregado.
”A biorrefinaria simboliza uma nova indústria de economia circular, sem geração de resíduos, voltada à sustentabilidade e ao menor impacto ambiental possível. Pesquisa científica, estímulo à inovação e políticas de fomento são determinantes para viabilizar este modelo industrial, que representa uma ponte concreta entre segurança energética, competitividade e responsabilidade ambiental”, comenta Júlia.
De acordo com a especialista, a efetivação da obrigatoriedade de redução progressiva de emissões em setores como a aviação civil e o transporte rodoviário dependerá não apenas de metas legais, mas de um arcabouço robusto de instrumentos de financiamento verde, políticas de incentivo e sinalização regulatória estável.
Esse conjunto de medidas será essencial para consolidar cadeias produtivas, atrair capital privado local e estrangeiro e garantir competitividade internacional aos novos combustíveis.
Porém, esse esforço depende diretamente do fortalecimento da capacidade institucional dos órgãos responsáveis por sua implementação.
“Com a multiplicidade de programas e metas a serem operacionalizados, é crucial assegurar estrutura, orçamento e pessoal qualificado às agências reguladoras e órgãos executivos. Sem esse reforço, o risco é que o arcabouço legal — por mais sofisticado que seja — se fragilize diante de gargalos operacionais e da morosidade regulatória”, enfatiza a advogada.
Para ela, a previsão legal de integração com outras políticas — como o RenovaBio, o Programa Mover, o Proconve, o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e a Taxonomia Sustentável Brasileira — é acertada e com certeza será vitrine na COP30, mas seu desdobramento normativo requer sinergia institucional e harmonização regulatória, para que possamos apresentar resultados ainda mais visíveis até novembro.
“É nesse ponto que a atuação coordenada do CNPE, das agências reguladoras federais e estaduais, dos bancos de fomento e dos Ministérios setoriais se torna essencial”, reforça.
Complementarmente, o Brasil avança também na consolidação de estratégias de médio e longo prazo voltadas à resiliência climática e ao cumprimento da sua NDC.
Ainda no campo do planejamento climático, merece destaque o processo de consulta pública da Estratégia Nacional de Mitigação (ENM), lançada em abril de 2025, no âmbito do novo Plano Clima.
A ENM prevê um conjunto de medidas voltadas a garantir que o país alcance suas metas de redução de emissões até 2035 e a participação social é um convite à corresponsabilidade e reforça a legitimidade das ações que o país pretende apresentar em Belém.
A agenda climática e a transição energética não admitem soluções fragmentadas.
A Lei nº 14.993/2024 lançou as bases para uma transição energética robusta e estruturante, desde que ancorada em regulação moderna, segurança jurídica e metas ambientais verificáveis.
“Na COP30, caberá ao Brasil provar que transformou intenção em implementação. Pois o mundo olhará”, conclui.
