Baterias e redes elétricas do futuro: o que está em jogo

Pesquisador do Lactec aponta como a escolha da química das baterias impacta emissões de gases de efeito estufa

À medida que o mundo acelera sua transição para uma matriz energética mais limpa, um novo protagonista ganha destaque: as redes elétricas do futuro.

Impulsionadas pelo aumento da geração de energia solar e eólica, essas redes exigem soluções eficazes para armazenar eletricidade de forma segura, eficiente e com o menor impacto ambiental possível.

Nesse contexto, os sistemas de armazenamento de energia, especialmente as baterias, tornam-se peças-chave. Mas quais baterias escolher? E qual o real custo ambiental dessa escolha?

Essas perguntas são o ponto de partida de estudos liderados pelo pesquisador Juliano de Andrade, do Lactec, um dos principais centros de pesquisa, tecnologia e inovação do Brasil, que alerta: avaliar apenas o custo financeiro das baterias é insuficiente.

“A indústria costuma comparar apenas o preço por quilowatt-hora ao longo da vida útil. Mas precisamos ir além e considerar os impactos ambientais, tais como as emissões de gases de efeito estufa (GEE), desde a fabricação até o descarte”, afirma.

Um mercado em rápida expansão

O mercado global de sistemas de armazenamento de energia por baterias (BESS, na sigla em inglês) tem crescido aceleradamente.

Avaliado em US$ 18,5 bilhões em 2025, o setor deverá atingir US$ 65,3 bilhões até 2035, com uma taxa média de crescimento anual (CAGR) de 11,1%, segundo análise do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Essa expansão é impulsionada pela crescente instabilidade das redes, maior integração de fontes renováveis e por políticas públicas que incentivam a transição energética.

Estados Unidos e China lideram as implantações, com destaque para a China, que aposta no armazenamento em larga escala para atingir suas metas de neutralidade de carbono até 2060.

Nos EUA, a Lei de Redução da Inflação (IRA) tem acelerado os investimentos em fabricação e armazenamento local. Já a Europa prioriza a resiliência das redes diante de preocupações com segurança energética.

As baterias de íons de lítio continuam dominando o mercado, mas outras químicas — como baterias de íons de sódio e baterias de fluxo — vêm ganhando espaço graças à diversificação da cadeia de suprimentos.

Além disso, cresce a demanda por soluções de armazenamento comercial e industrial, enquanto economias emergentes na Ásia-Pacífico e na África ampliam suas instalações de microrredes, beneficiadas pela queda nos preços das baterias.

Por que olhar para o ciclo completo?

A Avaliação do Ciclo de Vida é a metodologia usada para medir os impactos ambientais de uma bateria. O método considera desde a extração das matérias-primas, passando pela produção, transporte, uso e até a disposição final — ou reciclagem — do equipamento.

Essa análise permite comparar diferentes tecnologias de forma mais holística, levando em conta não apenas a eficiência elétrica, mas também os danos ambientais acumulados.

Por exemplo, as baterias de íons de lítio, amplamente utilizadas em veículos elétricos e sistemas estacionários, têm alta densidade de energia e longa vida útil, mas sua fabricação é intensiva em carbono.

Já as baterias de chumbo-ácido, mais difundidas e com menor desempenho, apresentam um ciclo de reciclagem mais estabelecido, o que reduz sua pegada ambiental.

A química da bateria importa — e muito

Segundo Juliano de Andrade, a química da bateria afeta diretamente seu papel nas redes do futuro. Isso porque tecnologias como baterias de fluxo, capacitadores e baterias em estado sólido estão sendo estudadas como alternativas mais sustentáveis.

“Cada uma delas apresenta vantagens e limitações em termos de emissões, eficiência, custo e durabilidade. A escolha da melhor solução depende da aplicação e do contexto da rede elétrica”, explica.

Redes elétricas do futuro

O conceito de “redes do futuro” se refere a sistemas que vão além da simples geração e consumo.

Elas incluem geração distribuída, maior participação de fontes intermitentes (como solar e eólica), e exigem controle digital avançado, além de armazenamento distribuído em pequena e grande escala.

“Quando a matriz era majoritariamente hidráulica, o controle era mais simples. Hoje, com a queda da participação hídrica e o crescimento das renováveis intermitentes, o sistema precisa de soluções mais sofisticadas para equilibrar oferta e demanda em tempo real”, explica o pesquisador.

É aí que entram as baterias — não só como backup, mas como elementos ativos da rede. Elas ajudam a estabilizar a tensão, suavizar picos de consumo e armazenar o excedente gerado em horários de baixa demanda. Mas, para isso, precisam ser confiáveis, eficientes e sustentáveis.

O mito da bateria perfeita

Ao orientar fabricantes de baterias, Juliano de Andrade propõe uma reflexão incômoda: não existe bateria perfeita. “A indústria dos BESS está muito centrada no íon-lítio, mas precisamos discutir alternativas com base em dados técnicos e ambientais. A decisão não deve ser apenas pelo preço ou desempenho elétrico, mas também pelo impacto no planeta”, defende.

Ele também aponta que, com a queda no custo dos componentes eletrônicos e avanço das tecnologias de controle, está mais viável implementar redes inteligentes com armazenamento distribuído. Mas para isso, fabricantes precisam adotar modelos de análise mais completos.

E o Brasil nisso tudo?

O país começa a trilhar o caminho para se posicionar nesse mercado. O Vale do Lítio, em Minas Gerais, já exporta o mineral para grandes fabricantes internacionais.

Mas o desafio é ir além da extração e consolidar uma cadeia nacional de produção e reciclagem de baterias.

As redes elétricas do futuro exigem mais do que inovação tecnológica: exigem responsabilidade ambiental, planejamento sistêmico e visão de longo prazo.

Pesquisadores como Juliano de Andrade têm mostrado que o armazenamento de energia — especialmente por baterias — não pode ser tratado como solução única ou definitiva, mas sim como parte de um ecossistema complexo que precisa ser cuidadosamente equilibrado.

“A pergunta não é apenas ‘qual a melhor bateria?’, mas sim: ‘qual a melhor bateria para cada cenário, considerando desempenho, custo e impacto ambiental?’. A resposta depende de ciência, dados e coragem para mudar a forma como tomamos decisões no setor elétrico”, conclui.

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