Agnes da Costa, diretora da ANEEL, compartilha perspectivas sobre geração offshore, Agenda 2024 e papel das mulheres no setor

Ao assumir o cargo de Diretora, Agnes se torna a 4ª mulher a atuar nessa posição e demonstra a importância de uma maior representatividade feminina

Com uma carreira sólida e vasta experiência em Energia, Agnes Maria de Aragão da Costa é uma importante voz do setor atualmente. Atuando como Diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), ela analisa a importância do mercado offshore para o futuro do setor.

 “A ANEEL também já iniciou os estudos para que possamos avançar nas questões regulatórias, entender a parte técnica, como viabilizar as outorgas, pensar o sistema de transmissão e a margem de escoamento.”

Ao assumir o cargo de Diretora, Agnes se torna a 4ª mulher a atuar nessa posição e demonstra a importância de uma maior representatividade feminina. “Acho ainda muito pouco. Mas estamos juntos, mulheres e homens, mudando a cara do setor.”

Com uma visão abrangente e apaixonada por sua área de atuação, Agnes compartilha suas perspectivas sobre a Agenda 2023-2024 da ANEEL, o Mercado Livre de Energia, Transição Energética e a relevância do papel da mulher na matriz energética.

 

  • A Agenda 2023-2024 da ANEEL incluía melhorias regulatórias no mercado livre e geração distribuída. De que forma isso beneficia os consumidores finais?

Nos últimos anos, temos observado a migração de grandes consumidores para o mercado livre e, mais recentemente, um crescimento impressionante da geração distribuída. Esses dois mercados têm possibilitado a redução dos custos percebidos por quem migra, mas deixa um legado preocupante para os consumidores que permanecem no mercado regulado.

Esses movimentos refletem um momento disruptivo e inevitável do nosso setor. O que nos cabe nesse contexto é modernizar o ambiente regulatório e contribuir com alterações legais que possam suportar essa mudança de forma sustentável. 

É nesse sentido que a ANEEL vem estudando diversos temas associados ao novo cenário setorial, como as questões relacionadas à comercialização varejista, à viabilidade de agregação de dados de medição, à modernização das tarifas de distribuição, ao aprimoramento das Garantias Financeiras do Mercado de Curto Prazo e aos critérios e procedimentos para a programação da operação e formação do Preço de Liquidação da Diferenças (PLD).

As melhorias regulatórias são benéficas aos consumidores na medida em que possibilitam que o setor continue evoluindo, acomodando todas essas transformações, mas sempre primando pela segurança jurídica e regulatória e evitando distorções, uma vez que o processo de atualizações e aprimoramentos regulatórios é: muito fundamentado tecnicamente, transparente e participativo, levando a decisões muito ponderadas.

 

  • A Agenda também cita a criação de regras para a geração offshore. O que você acredita ser necessário para esse setor alavancar de vez no Brasil?

O Brasil tem um grande potencial para o desenvolvimento da geração offshore, afinal contamos com mais de 7 mil km de costa, e temos uma projeção de geração de mais de 700 GW em áreas com profundidades até 50 metros. 

Mas precisamos avançar nas regulamentações sobre o tema, o que é bastante desafiador, já que será necessário adaptar legislações de diferentes segmentos e envolver um variado número de instituições externas ao setor elétrico: Marinha, Aeronáutica, IBAMA, ICMBio, ANP, Ministério de Infraestrutura, Ministério da Agricultura (Pesca) e Ministério do Turismo. 

Tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo já deram os passos iniciais para o desenvolvimento da política pública e do arcabouço legislativo sobre o tema, inicialmente com a regulamentação sobre a cessão de uso das áreas no mar.  

Acompanhando esse fluxo, a ANEEL também já iniciou os estudos para que possamos avançar nas questões regulatórias, entender a parte técnica, como viabilizar as outorgas, pensar o sistema de transmissão e a margem de escoamento. 

Enfim, temos ainda um caminho a percorrer e nosso trabalho é preparar o setor para acomodar essa fonte quando for competitiva e em função de diretrizes de políticas públicas que possam ser dadas a respeito pelo Executivo ou Legislativo. 

 

  • Vivemos em um período em que o Mercado Livre de Energia ganha cada vez mais força. De que formas isso impacta a matriz energética?

O Mercado Livre de Energia tem sido o grande impulsionador dos novos empreendimentos de geração, especialmente os de fontes eólica e solar. 

Essa preferência por fontes renováveis tem um componente relacionado à metas de transição energética, além da forte influência dos preços ofertados por esses empreendimentos, hoje ainda contando com subsídios cruzados no setor.

Penso que o Brasil deve continuar em sua posição de destaque na participação de renováveis na matriz energética, mas sempre buscando garantir a segurança de suprimento e a correta alocação dos custos. 

O crescimento do mercado livre é uma decorrência natural do empoderamento do consumidor, de se fazer respeitar o direito de escolha desses. Mas é importante que isso ocorra de forma sustentável, com a adequada alocação dos encargos e subsídios, sem sobrecarregar os consumidores do mercado regulado, fato que ainda está em discussão no Congresso Nacional nos projetos de lei que tratam da Modernização do Setor Elétrico.

 

  • Segundo estudo da LLYC, todos os especialistas da Energia falam sobre o papel da Transição Energética, mas os consumidores ainda debatem pouco sobre o assunto. Você acredita que o Brasil está preparado para investir nesse segmento e se tornar um impulsionador da Transição a nível mundial?

O Brasil vem investindo há muito tempo em um setor energético descarbonizado, mesmo em um período em que descarbonizar setores energéticos não era objetivo de ninguém. 

Isso foi feito por nossa dotação natural de diversos recursos energéticos limpos, por escolhas tecnológicas do passado – como todas relacionadas à nossa indústria de biocombustíveis, mas também ao desenvolvimento do nosso potencial energético e consequente construção de um sistema de transmissão interligado – por escolhas de políticas públicas anteriores como os leilões de energia.

Hoje o Brasil possui um setor elétrico, mas energético, também com níveis de emissões muito mais baixos do que a média mundial.

Diferentemente de outros países também não é o setor de energia que mais emite os gases causadores do efeito estufa, mas sim as atividades relacionadas ao uso do solo.

Além disso, somos um país em desenvolvimento em que o que mais se deseja é a redução de desigualdades, que passa por ganho de bem-estar social, inclusão energética e aumento de consumo de energia, mesmo com toda a eficiência energética e leapfrogging que possa ser promovido pelas políticas públicas e regulações.

Isso nos coloca em situação muito excepcional, mas não menos desafiadora. O Brasil precisa continuar a manter as matrizes limpas, em um ambiente em que se espera crescimento da demanda, e a promover tecnologias que permitam reduções de emissões no consumo de energia em setores ou indústrias em que os processos ainda não possibilitam a adoção de energia ou combustíveis mais limpos, como o transporte de longa distância e a indústria do cimento, por exemplo.

Por outro lado, já sabemos que os maiores ganhos em termos de redução de emissões precisam ser realizados em outros setores que não o energético, e a sociedade precisa enfrentar essa discussão. Não dá para achar que a transição energética vai ser suficiente para que o Brasil cumpra seus compromissos de descarbonização firmados no âmbito do Acordo de Paris.

Não obstante, o Brasil tem um papel relevante a desempenhar na transição energética global, seja por meio do compartilhamento de suas experiências de sucesso com o desenvolvimento de diversas fontes de energia limpa, contribuindo para as trajetórias de transição de outros países que não necessariamente precisam ou têm como passar pela eletrificação que tanto se vende como a bala de prata da transição energética; seja na venda de produtos e commodities para o mundo todo com baixa pegada de carbono, porque produzidos com energia limpa.

 

  • Ao longo de sua trajetória, você teve passagens pela Petrobras e pelo Ministério de Minas e Energia. Quais foram os principais ensinamentos que você adquiriu em sua carreira?

Que é preciso muita persistência, resiliência e automotivação para tirar as coisas do papel. Que ninguém faz nada sozinho, pelo contrário, para agir de fato é preciso muito convencimento, trabalho em equipe e isso se torna prazeroso se aproveitamos todo o processo para conhecermos as pessoas, tirar o melhor que elas têm para dar naquilo que estamos construindo e aprendermos e crescermos enquanto pessoas e profissionais. 

E que a bondade é um propósito, uma bússola que está sempre à mão, e que geralmente nos leva a lugares positivos, mesmos que inesperados.

 

  • Ao final de 2022, você assumiu a diretoria da ANEEL. Qual é a sensação de estar em uma importante Agência?

A sensação é inacreditável, não no sentido de ser ótima, mas no sentido de que tenho às vezes dificuldades para enxergar como uma pessoa normal, como eu, que trabalha duro como tantas outras pessoas e mulheres, conseguiu algo tão excepcional.

É como a sensação de ser mãe. Já o sou há 12 anos, mas sempre me pego pensando como é meio inacreditável que eu seja a Mãe de alguém. Isso é muito importante. De qualquer forma, tenho a consciência tranquila de que faço tudo o que está a meu alcance para estar à altura dessas funções.

 

  • Como se sente ao ser a 4ª mulher no colegiado em 25 anos?

Acho ainda muito pouco. Mas estamos juntos, mulheres e homens, mudando a cara do setor. 

Reestruturamos a ANEEL. De seis superintendências finalísticas, três são comandadas por mulheres. De quatro superintendências de “área meio”, duas têm, hoje, chefes mulheres. 50% de superintendentes mulheres. Até pouquíssimo tempo atrás, só havia uma mulher superintendente na ANEEL. 

Temos que criar oportunidades iguais em todos os níveis, deixar que mais mulheres apareçam, que sejam enxergadas como autoridade, no sentido do domínio técnico de suas competências, e assim mais diretoras virão.

 

  • Como você avalia o papel da mulher na Energia brasileira e a importância de dar voz a elas?

Avalio como fundamental que existam condições iguais para que qualquer talento no setor de energia possa contribuir da melhor forma que puder, independentemente de gênero ou raça.  

Dar voz a todas e a todos é o que devemos buscar sempre se queremos, enquanto sociedade, tomar as decisões mais ponderadas e abrangentes possíveis. 

Mas é preciso ter intencionalidade para criarmos condições igualitárias de participação, porque culturalmente nas sociedades existem grupos de pessoas que podem participar, influenciar e decidir mais. 

Então, no caso das mulheres, precisamos ter intencionalidade de dar-lhes as mesmas condições de participação, influência e decisão, para dar-lhes voz.

 

  • Você é co-criadora do programa de mentoria feminina #EmpodereC. Qual a importância desse programa na vida das mulheres que buscam crescer na Energia? 

Eu vejo algumas importâncias desse programa de mentoria focado em jovens profissionais, altamente motivadas, no setor de energia:

Elas entram no setor já se reconhecendo, se enxergando enquanto pares, mesmo que ainda muito dispersas no setor, porque ainda são minoria e porque mulheres jovens ficam muito tempo escondidas, com pouca oportunidade de exposição.

A noção de pertencimento a um grupo e a um setor é muito importante para a motivação pessoal e profissional. Sem contar que criam um grupo de amigas para o resto da vida, se apoiando nos desafios que enfrentarão em cada fase de suas carreiras e vidas.

Elas entram no setor tendo a referência de mulheres em posição de liderança, o que era muito raro quando eu entrei no setor. As mentoras são para elas uma demonstração de que é possível chegar “lá”, mas também referências de caminhos, com ônus e bônus, que podem ser trilhados. São pessoas reais e não idealizadas. 

Quando não temos esse tipo de contato com quem hoje ocupa espaços de liderança, existe sempre o risco de idealizarmos o que significa estar lá e o caminho para se chegar lá. É sobre se ter referências da vida real.

Para mentoras e mentoradas, é uma oportunidade de reconhecimento mútuo, de grande aprendizado intergeracional. E de fortalecimento de um espírito de sororidade, que culturalmente não é muito natural entre mulheres.

 

  • O que podemos esperar da presença feminina no setor para os próximos anos?

Desejavelmente que ela aumente, em especial nos espaços de maior responsabilidade e visibilidade. 

Essa e outras matérias exclusivas estão na edição 46 da revista Full Energy

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