Dois relatórios publicados agora por agências internacionais afirmam que a América Latina e o Caribe têm a oportunidade de se inserir na transição energética global de forma estratégica e para seu próprio benefício econômico.
A região é destacada como abundante em energia renovável e exemplo em termos de sustentabilidade tanto no Latin America Energy Outlook, o primeiro relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) dedicado à região, quanto na terceira edição do Production Gap Report, produzido pelo programa ambiental da ONU em conjunto com organizações internacionais de pesquisa.
O Brasil ganha visibilidade, inclusive pelas contradições entre suas promessas e potenciais climáticos e seus planos para o setor de energia.
O país é líder em projetos para aumentar a produção de petróleo nesta década, ao lado de Canadá, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e EUA, mostra o relatório da ONU, informação destacada pela imprensa internacional, incluindo o britânico The Guardian.
Com o subtítulo “Diminuir ou acelerar?” (Phasing down or phasing up?), o documento também informa que os planos brasileiros são feitos ao mesmo tempo em que a Petrobras alega estar em processo de descarbonização para se tornar uma empresa de energia limpa.
Já no relatório da IEA, Brasil e Guiana são apontados como dois dos três maiores crescimentos globais em exportação de petróleo até 2035.
No entanto, a agência destaca que quaisquer novos projetos enfrentariam grandes riscos comerciais se o mundo estiver no caminho certo para atingir emissões líquidas zero até 2050, à medida que a demanda por petróleo diminui rapidamente.
O relatório da agência também elabora cenários energéticos e estudos de caso para Argentina, Chile, Costa Rica e México.
E no documento da ONU, há uma projeção para a queda necessária na produção de petróleo e gás que cada país deve perseguir para cumprir seus compromissos e acordos climáticos. Os casos do México, Colômbia e Brasil, entre outros, são discutidos em detalhes.
“Embora a América Latina esteja bem posicionada em termos de recursos naturais para a produção de energia renovável, apenas alguns países seguiram uma trajetória bem-sucedida no desenvolvimento desse setor; ainda abaixo da projeção da IEA para cumprir os compromissos climáticos do Acordo de Paris”, avalia, Ricardo Baitelo, Gerente de Projetos do IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente).
“Além de corrigir essa trajetória, a tarefa mais importante para a América Latina é que os países apresentem planos concretos para a transição da produção e do consumo de petróleo e gás, contribuindo para as metas trazidas pelo Production Gap Report”, completa Baitelo.
Shigueo Watanabe Jr., analista de Política Energética do ClimaInfo, afirma que é necessário colocar o potencial renovável da região em perspectiva.
“A propalada matriz elétrica brasileira é, antes de tudo, fruto do aproveitamento dos recursos hídricos existentes no território nacional no século passado. A expansão das eólicas e fotovoltaicas se deu muito mais pela rentabilidade por elas proporcionada, do que em decorrência de políticas públicas. E, tanto as hidrelétricas do passado, como as grandes fazendas eólicas foram implantadas com o mínimo de respeito às comunidades e atividades econômicas ali existentes.”
“A transição da matriz energética – e não somente a elétrica – exigirá deste governo e dos futuros, uma vontade política forte para enfrentar os poderosos do setor simplesmente porque é imperativo enfrentar a emergência climática”, continua Watanabe.
“Não faz sentido o décimo maior produtor de petróleo e gás do mundo propalar o verde dos planos governamentais enquanto coloca esforços para galgar mais posições.”
“Uma transição energética justa nos permitirá salvar milhões de vidas e proporcionar melhores condições para as comunidades mais vulneráveis, além de evitar as cenas de horror que podem ser causadas por extremos climáticos cada vez mais intensos”, afirma Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.
“As evidências científicas sobre a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis são esmagadoras”, ressalta Ariel Slipak, coordenador da Área de Pesquisa da FARN Argentina.
“No entanto, agentes financeiros como os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, os Bancos de Desenvolvimento do norte global e as Agências de Crédito à Exportação continuam a financiar combustíveis fósseis no sul global. E, em conluio, os governos da região fornecem subsídios diretos às empresas de hidrocarbonetos. Uma transição energética justa exige uma revisão das políticas dos agentes financeiros e dos estados nacionais”.