Muito vem sendo observado no crescente interesse nacional em investir nas atividades de descomissionamento das instalações petrolíferas do país.
Apesar de boa parte dos campos brasileiros ser relativamente nova – tendo iniciado suas operações nos anos 1980/1990 – esses investimentos estão recebendo cada vez mais atenção dos operadores e órgãos reguladores na busca por garantir a preservação e a segurança operacional.
Uma estratégia, de fato, benéfica, desde que sejam levados em consideração garantias financeiras, estudos e etapas importantes para mitigar os riscos de acidentes.
A prática do descomissionamento consiste em tornar o local de operação o mais próximo possível do seu estado original e em condições adequadas de segurança.
Para alcançar tal feito, a mesma deve ser aplicada no conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva da operação das instalações até o abandono permanente e arrasamento de poços – passando por operações, como a remoção de instalações, a destinação adequada de materiais, resíduos, rejeitos e a recuperação ambiental da área em questão.
Normalmente, essa é uma decisão tomada a partir do momento em que a produção de hidrocarbonetos se torna economicamente inviável, o que torna o processo de abandono controlado e monitorado das instalações, inevitável.
Essa fase começa com estudos prospectivos para considerar várias soluções que possam levar à eventual recuperação e/ou reciclagem do local.
Em alguns casos, as plataformas podem ser reutilizadas como recifes artificiais, estações meteorológicas, centros de investigação, locais de produção de energia, de armazenamento de CO2, entre outras destinações.
Por se tratar de um projeto de extrema complexidade e cuidado para evitar danos, o mesmo costuma ocorrer ao longo de vários anos, e requer a mobilização de recursos logísticos, financeiros e administrativos bastante significativos para sua finalização assertiva.
Todo o seu andamento é regulado e fiscalizado pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), através da resolução de Nº 817, de 24 de abril de 2020, além de também regulamentar os procedimentos para apresentação de garantias financeiras através da resolução Nº 854, de 24 de setembro de 2021.
Em dados divulgados pela própria ANP, existem cerca de 101 programas de descomissionamento de instalações (PDIs) em andamento no país – sendo que cerca de 44 destes estão no mar e 57 em áreas terrestres.
Entre 2022 e 2026, são estimados cerca de R$ 51,5 bilhões em investimentos para as atividades de descomissionamento, o equivalente a uma média de R$ 10,3 bilhões por ano.
Deles, a maior parte estará concentrada no ambiente marítimo, totalizando cerca de R$ 42,1 bilhões com 612 poços, enquanto no ambiente terrestre estão previstos R$ 9,4 bilhões, com 9.280 poços.
No geral, as bacias que concentram a maior parte destas atividades são: Campos (R$ 30,2 bilhões), seguido de Sergipe (R$ 8,1bilhoes), Santos (R$ 3,1 bilhões), Potiguar (R$2,6 bilhões) e Recôncavo (R$ 2,5 bilhões).
De fato, esta é uma decisão extremamente importante que envolve o operador das instalações e seus associados, bem como o estado.
Mas, certos desafios devem ser considerados na elaboração do projeto, envolvendo questões relacionadas a: aspectos geográficos da localização da instalação petrolífera, estágio inicial da indústria de descomissionamento no país e que ainda demandará certo desenvolvimento, e questões burocráticas que ainda podem trazer certos empecilhos em sua implementação.
Considerando o primeiro aspecto, iniciar um projeto de descomissionamento no país requer uma infraestrutura especializada e complexa, uma vez que grande parte dos campos brasileiros de maior relevância estão localizados em águas profundas ou ultra profundas, entre lâmina d’agua que variam de 300 e 3000 metros.
Isso faz com que a infraestrutura brasileira seja voltada para instalações flutuantes em vez das instalações fixas, o que pode dificultar seu andamento.
Paralelamente a esse cenário, temos uma indústria nacional ainda em desenvolvimento, especialmente se comparada com regiões como o Mar do Norte e o Golfo do México.
Isso porque as primeiras unidades de produção iniciaram suas atividades aqui nos últimos cinco anos e se intensificaram após aprimoramentos na regulação.
A experiência utilizando serviços nacionais ainda é limitada na realização de programas em larga escala, o que demanda ajuda de empresas estrangeiras especializadas no ramo para que essa atividade seja colocada em prática.
Mais importante de todas essas, talvez, está a legislação brasileira que, apesar de grandes avanços no arcabouço regulatório nos últimos anos, ainda envolve muitos agentes públicos com seus próprios regramentos.
Esse cenário faz com que a condução de um processo de descomissionamento eficiente, com menor impacto possível para os agentes, para o meio ambiente e para sociedade, ainda seja um grande desafio.
Além disso, esse pode ser um grande inibidor na atração de novos investimentos devido à complexidade da atividade e regramentos dos órgãos ambientais que carece de maior objetividade, simplicidade e celeridade.
Neste ponto, por mais vantajoso que seja o descomissionamento das instalações petrolíferas, muitas preocupações ainda são vistas no que diz respeito à exigência da retirada parcial ou total dessas unidades, especialmente aquelas em águas profundas e ultra profundas (instalações subsea).
Cogitar a permanência de algumas delas é uma questão crítica, já que o impacto ambiental em retirá-las pode ser maior do que o de mantê-las e pelo fato de que, nem sempre, os regramentos e análises dos órgãos que regulam essa atividade coincidem com os responsáveis pela operação e pela proteção ambiental.
Ainda, há uma preocupação permanente com o limite temporal para a responsabilidade pós-descomissionamento. Afinal, a falta de uma definição de um limite razoável faz com que as operadoras possam ser penalizadas décadas após o término da vida útil do campo, o que certamente impactaria em seus planejamentos financeiros e custos associados para a sociedade.
Um dos maiores exemplos para compreender melhor esse questionamento envolve o ambiente marítimo. Independente da permanência total ou parcial das instalações, a autorização do descomissionamento destas unidades deverá ser aprovada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), uma vez que sua permanência representa uma exposição residual da operadora por eventuais danos até após o encerramento das atividades.
Mesmo diante destes desafios, que, muito provavelmente, não terão solução a curto prazo, é certo que o descomissionamento responsável e eficiente com objetivo da destinação adequada das unidades de produção, bem como das estruturas subsea, irá aumentar de forma significativa nos próximos anos.
Inclusive, demandas bastante significativas e progressivas vêm sendo dadas pelo mercado internacional – principalmente de estaleiros que seguem as normas ambientais e trabalhistas – as quais, caso não sejam atendidas, poderão ocasionar gargalos e atrasos nos projetos.
Muitas oportunidades incríveis e condições de assumir uma posição de destaque podem ser adquiridas pelo Brasil neste cenário. À medida em que a vida útil dos campos e plataformas for se aproximando do fim, o número de unidades de produção e outros itens que necessitam de finalidade adequada tenderá a crescer, exigindo um maior planejamento e alocação de recursos financeiros das empresas.
Porém a única forma de obter êxito nessa atividade será através da construção de uma visão estratégica de longo prazo para o setor, promovendo uma ampla coordenação dos agentes públicos com atenção especial às questões ambientais, em que aspectos regulatórios e legais sejam devidamente pacificados para que se crie um ambiente de segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade para que cada vez mais investimentos promissores sejam atraídos ao território nacional.
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Com mais de 30 anos de experiência em gerência geral, desenvolvimento de negócios e investimentos corporativos, Felipe Kury é ex-diretor executivo e membro do conselho de administração da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) onde se especializou no setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Anteriormente, atuou como executivo de empresas globais, como Managing Director na Tetrad Capital Partners (UK), Presidente na Thomson Reuters Financial & Risk, Diretor Executivo na Microsoft Corp.(USA), além de Softbank Intl.(USA) e IBM Corp (USA).