“Energia eólica offshore, uma nova fronteira”, por Gustavo Morais, da Trinity Energias Renováveis

O Brasil segue como um “mercado a ser acompanhado”: é o que diz o relatório de 2022 do GWEC (Global Wind Energy Council) fórum global de energia eólica.

A potência instalada da fonte saltou de 1,426 GW instalados em 2011 (0,5% da matriz elétrica nacional) para 20,771 GW em 2021 (11,4% da matriz), segundo dados do Balanço Energético Nacional, produzido pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética, órgão governamental vinculado ao Ministério de Minas e Energia).

A fonte foi protagonista no enfrentamento da crise hídrica enfrentada pelo país em 2021, representando 12% do total da energia gerada no país – ocupando a terceira posição, atrás da fonte hidrelétrica e térmica –, evitando racionamentos como os verificados 20 anos atrás, em 2001.

Com a energia eólica onshore – ou seja, em terras firmes – evoluindo “de vento em popa”, empreendedores nacionais e estrangeiros começam a lançar os primeiros trabalhos para a nova fronteira a ser superada: a energia eólica offshore.

Após muita expectativa foi publicado em janeiro o Decreto nº 10.946/2022, que estabelece o marco legal para a exploração da energia eólica na faixa marinha de domínio da União.

Em 2020 o “Roadmap Eólica Offshore” publicado pela EPE aponta potencial para instalação de 700 GW de potência em locais com profundidades de até 50 metros, o equivalente a quase 4 vezes toda a potência instalada de geração de energia no Brasil.

A publicação do Decreto, apesar de permitir que os primeiros projetos comecem a ser desenvolvidos, deixa clara a complexidade da implementação de um empreendimento deste tipo.

Desde o Ibama, responsável pelo licenciamento ambiental, ao Ministério do Turismo, que verificará os impactos em regiões turísticas passando pelo Comando da Aeronáutica (interferência em área de aproximação de aeroportos) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (conflitos com aquicultura e pesca), os interessados deverão manter interlocução com 9 órgãos – além da própria ANEEL e MME – para obtenção de todas as licenças necessárias para a exploração deste vasto recurso.

Ainda assim, o Ibama notificou, em relatório de abril/2022, estarem sob processo de licenciamento ambiental mais de 130 GW de potência eólica offshore, reforçando o interesse de empreendedores neste mercado. O interesse abrange não só players tradicionais do mercado elétrico, como a Neoenergia (do grupo espanhol Iberdrola), mas também grupos com presença marcante do setor de óleo e gás, como a Shell, a TotalEnergies e a Petrobrás – que somou forças com a Equinor, que já opera parques eólicos no mar (incluindo plantas no Reino Unido, no nordeste dos Estados Unidos e na Noruega), para avaliar a instalação de um parque eólico na Bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro.

A sinergia entre o setor petrolífero, com reconhecida expertise em construção de infraestrutura em águas rasas, profundas e ultraprofundas é clara.

O setor alia sua experiência em projetos offshore ao desejo de investir em fontes renováveis, impulsionado pela pressão de acordos internacionais para desenvolvimento de políticas energéticas mais sustentáveis, interesse do mercado financeiro que premia práticas ESG e pela própria vontade da população de consumir energias limpas.

Se de um lado temos uma grande disponibilidade de recurso eólico offshore, e do outro temos um já sinalizado interesse do mercado em investir nesse tipo de energia, resta aos formadores de políticas públicas estruturar os caminhos que levarão a esse desenvolvimento.

O sucesso da fonte eólica onshore no Brasil está diretamente ligado a contratações do ambiente regulado, com os leilões do PROINFA, Leilões de Energia de Reserva, Leilões de Fontes Alternativas e um privilégio à fonte em Leilões de Energia Nova. O fôlego deste ambiente de contratação para viabilização de novos empreendimentos, no entanto, reduziu significativamente.

De 2018 a 2021 foram viabilizados 4,2 GW de projetos eólicos onshore, uma redução de quase 50% em relação aos 8,4 GW viabilizados de 2012 a 2016.

A redução das oportunidades de expansão no mercado regulado forçou a energia eólica a mirar no mercado livre, de forma muito bem-sucedida.

Acompanhado pelo maior apetite ao risco e amadurecimento dos agentes financiadores, o crescimento da fonte não desacelerou com a redução da demanda no ACR.

Ainda assim, os leilões regulados foram essenciais para esse amadurecimento da fonte, que permitiu redução dos custos de instalação de cerca de R$ 6.500 /kW em 2007 a cerca de R$ 4.300 /kW em 2021, redução de mais de 30%.

O custo médio estimado da energia eólica offshore pela EPE é bem superior, da faixa de R$ 10.300 /kW. O ganho de eficiência na geração de energia, consequência da maior regularidade dos ventos em superfícies aquáticas, contribuirá para uma redução do custo médio da produção da energia, porém não é o suficiente para a viabilização financeira dos empreendimentos.

Com a via dos leilões regulados já saturada – e ainda mais ameaçada pela abertura total do mercado proposta pelo PL 414/2021 –, o incentivo à fonte eólica offshore será um grande desafio a ser tratado pelos formadores de políticas públicas.

Como promover a mesma curva de queda de preços e crescente instalação de projetos offshore com o mesmo sucesso da experiência onshore sem repetir a receita de se basear exclusivamente na utilização do mercado regulado para esses fins?

A associação com a produção de hidrogênio verde (H2V) pode fazer parte da resposta a esta questão.  O hidrogênio pode ser produzido através da eletrólise da água, processo que consome muita energia elétrica. Ele é verde quando essa energia elétrica é oriunda de fontes de baixa emissão de carbono.

A produção de hidrogênio é objeto de interesse por conseguir fornecer maior energia por unidade de massa que outros combustíveis (como diesel ou gás natural), sendo uma fonte muito atraente para armazenamento de energia e para a utilização no setor de transporte.

Por possuir como produto de sua queima apenas vapor d’água, a redução de emissões neste setor está muito ligada à produção do H2V.

A formalização e fortalecimento de um mercado de crédito de carbono nacional também terá papel importante na viabilização desse tipo de empreendimento, fornecendo receita adicional aos projetos além da produção de energia elétrica em si.

A rota tradicional dos leilões regulados também não deve ser ignorada, com processos competitivos exclusivos para energia eólica offshore a partir já de 2023.

Por fim, o mercado de capitais terá papel central na financiabilidade desses empreendimentos, ao lado de bancos de fomento e desenvolvimento.

A emissão de debêntures verdes, além de valorização de ações de empresas com práticas ESG, serão peça central na captação de recursos para construção de parques eólicos no mar.

Como a década de 2010 foi marcada pela expansão das fontes renováveis onshore, a década de 2020 promete ser marcada pelo avanço sobre essa nova fronteira, liderada pela energia eólica offshore.

As plataformas continentais brasileiras, que na última década atraíram investidores e proporcionaram desenvolvimento com a exploração de petróleo e gás natural, principalmente do pré-sal, agora ganham relevância renovada, dessa vez, com um viés mais verde e sustentável

** Artigo escrito por Gustavo Morais, coordenador de gestão de geradores da Trinity Energias Renováveis.

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