Heloísa Borges, da EPE, analisa a importância de mulheres em cargos de liderança no setor da Energia

Em sua trajetória, as mulheres se veem muitas vezes percorrendo um caminho rumo à liderança bem mais longo do que os homens. A participação feminina no mercado de trabalho vem aumentando a cada ano, mas a igualdade de gênero, inclusive salarial, ainda não está tão próxima de ser atingida. 

Na visão de Heloísa Borges, diretora de Estudos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis na Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o mundo vem percebendo que padrões precisam ser quebrados, mas a situação nas empresas reflete a realidade.

“A mudança é consolidada em números, mas nasce naquilo que fomos ensinados a acreditar e daquilo que vemos na realidade. E, na prática, ainda presenciamos uma sociedade com profunda disparidade de gênero.”

Um dos principais problemas, na visão de Heloísa, é a desigualdade salarial, que ajuda a desmotivar as mulheres e faz com que seja ainda mais difícil ser mulher em ambientes já tão masculinizados, como a Energia.

“A diferença de participação de homens e mulheres no setor de energia é mais de duas vezes maior do que no restante da economia. Além das mulheres representarem menos de 10% dos cargos de liderança do setor, recebemos remunerações quase 20% mais baixas do que homens que exercem a mesma função”, pontua.

Em entrevista exclusiva, Heloísa Borges reflete sobre sua trajetória e analisa o cenário das mulheres na Energia brasileira, além de compartilhar dores e inspirações. 

1- Como foi a sua trajetória profissional até chegar na posição atual?

Minha trajetória sempre esteve voltada para a área de energia. Fiz duas graduações simultâneas, sendo elas Ciências Econômicas e Direito, e em ambas busquei me especializar em disciplinas ligadas às indústrias de energia e à regulação setorial. Este interesse no tema persistiu no mestrado, na especialização e no doutorado, trazendo para minha vida profissional uma competência técnica bem forte no tema.

Assim que me formei, ingressei como pesquisadora no Grupo de Economia da Energia da UFRJ. Em seguida, trabalhei da Diretoria Financeira de Furnas Centrais Elétricas e, ao final de 2005, ingressei na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis através de aprovação no primeiro concurso promovido pela Agência. 

Na ANP ocupei diversas posições, como assessora técnica, assessora de Superintendência, Superintendente Adjunta e Superintendente, atuando tanto no Downstream quanto no Upstream. O sucesso na condução das Rodadas de Licitações da ANP nos anos de 2018 a 2020 me trouxe certo destaque, e fui então convidada a assumir a Diretoria de Estudos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis na Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Dessa forma, me tornei a primeira mulher a ocupar uma posição de Diretoria na EPE.

2- Qual a importância de termos mulheres em posições de liderança no setor?

Cada vez mais o mundo está percebendo que padrões precisam ser quebrados e que é importante abraçar toda a pluralidade de pessoas existentes, inclusive dentro das empresas e instituições. Há anos estudos demonstram a associação uma cultura igualitária e inclusiva com o fortalecimento da inovação e das instituições.

Mas, infelizmente, ainda hoje as mulheres não percorrem um caminho fácil até atingirem os cargos de alta hierarquia. De fato, estudo recente divulgado pelo Banco Mundial indicou que ainda estamos longe de alcançar uma situação de equidade, quando nem as economias mais ricas oferecem de fato igualdade de oportunidade entre gêneros.

3- Quais são as principais vantagens em aumentar a presença feminina nas empresas?

Um estudo recente, divulgado pela Consultoria McKinsey, indicou que companhias com diversidade de gênero têm 15% mais chances de ter rendimentos acima da média, e 21% mais chances de obter retornos financeiros também acima da média. Ou seja: faz sentido para os o mundo dos negócios buscar a tão falada diversidade.

Acredito muito que ter maior presença feminina em posição de liderança é importante para as próprias mulheres, afinal, muitas vezes elas não se imaginam no topo porque não enxergam suas semelhantes nessa posição. Na maior parte do tempo, as mulheres são mais desafiadas do que os homens, exigem uma maior capacitação e precisam trazer resultados altos e rápidos para serem elegíveis. E se não temos figuras femininas de destaque, menos meninas se interessarão por determinadas profissões.

Sei que ainda estamos longe de transformar nossas ambições por maior equidade em ações práticas. A mudança é consolidada em números, mas ela nasce naquilo que fomos ensinados a acreditar e daquilo que vemos na realidade. E, na prática, ainda presenciamos uma sociedade com profunda disparidade de gênero; empresas e instituições com poucas – ou nenhuma – mulher na liderança e a ausência delas nos espaços de tomada de decisão. Para isso mudar, precisamos ir além do discurso e buscar sermos inclusivos na vida real.

4- Como é ser mulher nesse ambiente tão masculinizado?

Não é fácil. A diferença de participação de homens e mulheres no setor de energia (incluindo fóssil) é mais de duas vezes maior do que no restante da economia. E além das mulheres representarem menos de 10% dos cargos de liderança do setor, recebemos remunerações quase 20% mais baixas do que os homens que exercem o mesmo cargo.

Além da maior parte das carreiras das indústrias de energia serem aquelas para as quais há menos mulheres, por envolverem ciências, tecnologia, engenharias e matemáticas (STEM, no acrônimo em inglês), as empresas demoraram a ser inclusivas. Até pouco tempo ainda tínhamos plataformas de petróleo sem banheiros femininos, por exemplo. 

5- Quais são os principais desafios que enfrenta como mulher nesse mercado?

Os uniformes e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) não são pensados para mulheres e, muitas vezes, são inadequados a elas, prejudicando o trabalho que deve ser realizado.

Ainda vivemos em uma sociedade machista, onde é frequente que mulheres não se sentem nas mesas em as decisões são tomadas, ou que sejam interrompidas ao falar. Isso está mudando aos poucos, mas é um processo lento.

Para mim, o principal desafio é que precisamos rever nossos vieses. Características normalmente desejadas em líderes, quando são associadas a mulheres ganham conotações negativas. Uma mulher assertiva é vista como histérica, e uma mulher ambiciosa é vista como agressiva. 

E vou ainda além: hoje já sabemos que existem diferentes tipos de liderança e não necessariamente o perfil típico de liderança – associado a características masculinas como agressividade, autoridade e competitividade – é o mais adequado. 

Lideranças femininas são associadas a características como empatia, resiliência e organização, o que faz com que posições ocupadas por mulheres sejam muitas vezes aquelas associadas a gestão de pessoas e comunicação e isso não deveria ser regra.

6- Que ações as empresas de energia devem realizar para aumentar a participação feminina no setor?

As empresas que ainda não têm políticas de diversidade e inclusão devem desenvolvê-las com urgência. Mais do que isso: precisam adotar ações práticas nesse sentido. 

Além disso, ações como instituir programas de mentoria ou desenvolvimento de lideranças que estejam alinhados a uma política de sucessão é importante para um planejamento a longo prazo.

7- Que ações as empresas poderiam realizar para oferecer maior suporte para as colaboradoras mulheres?

Adotar políticas de parentalidade e flexibilidade é de extrema importância. Auxílio creche e outras medidas que permitam apoio nos cuidados infantis são fundamentais para aquelas que são mães ou pretendem ser em algum momento. 

Estudos indicam que expandir o acesso aos cuidados infantis tende a aumentar a participação das mulheres na força de trabalho em cerca de um ponto percentual inicialmente – e o efeito mais do que dobra em cinco anos.

Outra coisa importante é exigir que os homens cumpram seu papel, adotando ações de conscientização para suas ações nos ambientes de trabalho a fim de torna-los mais confortáveis para todos. 

8- Quais mulheres da energia brasileira te inspiram?

São tantas! Eu citaria minhas queridas amigas Elbia Ganoun, Fernanda Delgado, Ligia Schlitter, Symone Araújo, Karine Fragoso, Veronica Coelho, Carla Lacerda, Tabita Amaral, Marisete Pereira, Renata Isfer e Teresa Melo. Tantas mulheres brilhantes que passaram na minha vida!

9- E a quais mulheres da sua vida você atribui a pessoa que é hoje?

A gente é moldado de muitas formas e muitas mulheres me ajudaram a ser quem eu sou. Devo muito à minha mãe, que é uma mulher muito forte e foi a primeira pessoa da família dela a ter um diploma de ensino superior e depois de mestrado. Mas venho de uma família de mulheres muito fortes, cada uma de sua maneira, o que me moldou desde a infância.

10- Quais os principais desafios da matriz energética atualmente?

O principal desafio da matriz energética é aquele que sempre foi: equilibrar o dilema da descarbonização com a garantia da segurança energética e do acesso à energia. 

A estratégia para o país é: ampliar o acesso à energia mantendo a já elevada renovabilidade de nossa matriz energética. Isso porque a promoção de uma transição justa impõe desafios adicionais ao Brasil, uma vez que precisaremos ampliar a oferta total de energia no país em 30% nos próximos 10 anos e praticamente dobrar a oferta total de energia nos próximos 30 anos.

Essa matéria foi publicada na edição 50 da Full Energy. Clique aqui e confira.

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