Com a recente expansão da discussão sobre um mundo mais sustentável, o uso de fontes renováveis de energia e a descarbonização, o petróleo pode ganhar a pecha de vilão do meio ambiente e se converter em um inimigo a ser combatido. No entanto, é preciso cautela ao atribuirmos esse estereótipo à principal fonte de energia global. O mundo ainda é e, aparentemente, continuará a ser por alguns anos extremamente dependente do “ouro negro”.
É fato que estamos falando de uma fonte finita e, sim, responsável por emissões de carbono danosas ao meio ambiente. É inegável a necessidade de uma transição energética para outras de origem renovável, mas trata-se de um processo gradual, desafiador e de longo prazo. Por isso, conclamo: não reneguemos o petróleo!
De acordo com a International Energy Agency (IEA), em 2019, o petróleo respondeu por 31,9% da geração de energia no mundo, seguido pelo carvão (27,1%) e pelo gás (22,1%). Ou seja, combustíveis fósseis respondem por mais de 80% da matriz energética global.
Já a empresa britânica BP, no documento denominado Energy Outlook 2020, traçou três possíveis caminhos para a transição energética mundial. No cenário em que se pressupõe que as políticas governamentais e tecnologias continuarão a evoluir de maneira e velocidade vistas no passado recente, as emissões de carbono a partir do uso de energia atingirão o pico em meados da década de 2020, mas não diminuirão significativamente. Esse cenário prevê emissões no ano de 2050 em patamar 10% abaixo dos níveis de 2018. Nesse contexto, de acordo com a simulação da empresa, a demanda global por energia aumenta enquanto haverá uma queda de 10% na demanda de petróleo. Uma redução relativamente tímida para um horizonte de 30 anos.
A China, maior consumidor de óleo do planeta, prevê um crescimento econômico robusto para este ano, o que invariavelmente ajudará a impulsionar a demanda doméstica. Instituições financeiras preveem crescimento do PIB chinês da ordem de 8% a 9% neste ano em comparação com o ano passado, o que traz perspectivas animadoras para o mercado global de energia e que dependem do apetite da região. Ressalta-se que especialistas estimam o crescimento do consumo de petróleo no país asiático em pelo menos metade do crescimento do PIB.
Já no Brasil, o pré-sal representa para a Petrobras a redução da dívida e a recuperação da capacidade de investimento da empresa. Ao final de novembro do ano passado, a estatal aprovou e divulgou o planejamento estratégico 2021-2025, no qual projeta a entrada em operação de 13 novos sistemas de produção e estima a produção de 2,75 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/d), neste ano, e de 2,9 milhões em 2022. Já para 2023, a expectativa é de 3,1 milhões de boe/d e para 2024 e 2025, a previsão é de 3,3 milhões de boe/d. Ou seja, um crescimento de 25% em cinco anos.
Existem visões divergentes sobre o ápice do consumo do petróleo. A BP já declarou que o ponto máximo do consumo aconteceu em 2019 e a Agência Internacional de Energia (IEA) vê a produção de petróleo se estabilizando. No entanto, ainda predomina a expectativa de que teremos alguns anos de crescimento de consumo até que comecemos a assistir a uma queda irreversível. E isso num cenário de uso de carros elétricos, de placas solares e de combate às mudanças climáticas. A Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) prevê que o pico do consumo ocorrerá somente em 2040. O mesmo contexto é traçado por grandes países produtores, tais como a Noruega.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), em estudo divulgado em outubro do último ano, consolidou as visões futuras de consumo feitas pela IEA, Opep e BP. Com exceção de três cenários mais otimistas em relação à redução das emissões de carbono, as demais projeções ainda apresentam crescimento da demanda até, pelo menos, a metade do ano de 2030, ou seja, pelo menos 15 anos de aumento do consumo antes do início da queda.
É importante considerarmos que a evolução tecnológica caminha para um contexto no qual o processo de exploração do petróleo poderá ser executado com mais eficiência, o que contribuirá para a redução da emissão de carbono. E deve-se destacar também que o setor petrolífero emprega centenas de milhares de trabalhadores ao redor do mundo e a mudança da matriz, em alguma medida, pode trazer impacto socioeconômico decorrente da queda da demanda por algumas funções profissionais.
Diante do exposto, pode-se observar que o petróleo ainda terá papel representativo na geração de energia por pelo menos duas a três décadas e continuará a ser o principal combustível da economia global. Fato que corrobora tal conclusão é que as grandes companhias, apesar de já estarem se preparando e iniciando uma jornada para outras fontes renováveis de energia, permanecem atuando fortemente na exploração e produção do petróleo. A economia global ainda precisa dele.
*Artigo escrito por Bernardo Lemos, sócio-diretor de Energia e Recursos Naturais (ENR) da KPMG.