A OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) anunciou, no início de abril, uma nova redução de 1,66 milhões de barris/dia (mbd) na oferta de petróleo.
Somado ao corte de 2 mbd, anunciado em outubro de 2022, isso representa cerca de 3,6% no valor total de 101,9 mbd, que é da demanda de petróleo projetada para 2023.
Segundo a Instituição, este movimento faz parte de um esforço contínuo para equilibrar o mercado e estimular novos investimentos na exploração e produção de petróleo.
Entretanto, o anúncio foi recebido com preocupação pelo Ocidente, pois contribui para agravar a crise energética e aumentar a pressão sobre diversas economias no combate à inflação.
Nos EUA, por exemplo, na segunda semana de abril, foram anunciados os dados de inflação, que se mantém resistentes e sugerem a manutenção de uma política monetária contracionista.
Especialmente, considerando a tendência de alta no preço do petróleo bruto: o Brent chegou a ser negociado a cerca de US$ 87 por barril; enquanto o West Texas Intermediate (WTI) estava no patamar de US$ 83 – uma alta superior a 5%, se comparado com preços antes do anúncio.
Este último movimento da OPEP+, que inclui 23 países, incluindo a Rússia, sinaliza com mais força que o cartel está de volta no controle do mercado mundial de petróleo, segundo muitos analistas e executivos do mercado.
Dados recentes do setor, sugerem que a revolução do “Shale Gas” americano apresenta sinais de desaceleração.
Sendo assim, com o corte na produção, o setor tem expectativa de preços mais altos no médio prazo e, isso pode complicar ainda mais as decisões dos bancos centrais, onde existe uma sinalização majoritária de um período prolongado de juros elevados para combater as pressões inflacionárias.
Ainda em relação ao “Shale Gas” americano, de acordo com relatório recente da Baker Hughes, observa-se uma pequena desaceleração no número de plataformas terrestres no início de 2023 – uma redução de 758 para 753, só entre fevereiro e março.
Porém, comparando com o último trimestre de 2022, a redução foi ainda maior, de 775 para 753.
Ainda é cedo para dizer que teremos um cenário mais dramático, como o ocorrido em meados de 2020, quando os produtores foram forçados a fechar poços, cortar investimentos de capital, plataformas ociosas e demitir trabalhadores.
Entretanto, é importante destacar que investidores têm manifestado preocupação com o aumento dos custos advindos da inflação e a capacidade de o setor sustentar resultados e retornos expressivos como os de 2022.
O fato é que investidores estão sendo pressionados pelos acionistas a apresentar um maior rigor e disciplina na alocação de recursos e/ou a devolver dinheiro mais rápido.
Esta condição, certamente, pode prejudicar o crescimento da oferta doméstica de petróleo nos EUA.
Outro aspecto, não menos importante nesta análise, é a intervenção dos EUA no mercado através da utilização de suas reservas estratégicas de petróleo.
O Strategic Petroleum Reserve (SPR) vem sendo utilizado para enfrentar limitações na oferta e garantir preços acessíveis dos derivados no mercado doméstico americano.
Nos últimos dois anos, o SPR diminuiu cerca de 42%, saindo de um total de 638 milhões de barris, em janeiro de 2021, para o patamar de 371, em abril de 2023.
A última vez em que o país esteve neste nível foi em 1983. Obviamente, esta estratégia gera muitas críticas internas e eleva a preocupação com a segurança energética nos EUA.
O movimento nas reservas estratégicas evidencia o enorme esforço do país em manter o mercado de petróleo estável e, de certa forma, manter o controle sobre os preços, enfrentando grandes adversidades macroeconômicas e geopolíticas.
Além disto, evidencia, de forma clara, a escalada na disputa entre os dois grandes blocos produtores de petróleo (OPEP+ e EUA) na busca para exercer maior influência no mercado.
Este cabo de força contribui para uma maior volatidade dos preços e eleva a tensão em relação à segurança energética no mundo.
Estamos caminhando no fio da navalha e a situação pode se deteriorar rapidamente nos próximos 12 meses, dependendo da evolução do contexto geopolítico e macroeconômico.
A pressão sobre os países produtores de petróleo deve continuar avançando, especialmente, observando a recuperação da economia na China após a suspensão dos bloqueios de Covid-19.
Se a economia chinesa alcançar uma recuperação mais rápida, haverá mais pressão nos preços das commodities, em especial nos preços de petróleo, em um momento desafiador em que os países buscam maior controle sobre a inflação.
Neste jogo, o Brasil tem uma posição de destaque e contribui com o aumento da oferta, proporcionando aumentos expressivos em sua produção.
Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo e Biocombustíveis (ANP), o país quebrou novo recorde de produção com 4,183 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed), em fevereiro de 2023.
A produção avançou 11,4% em relação à mesma época no ano anterior, sendo que houve uma maior contribuição da produção de gás natural, alcançando a marca de 146,54 milhões de metros cúbicos.
Este patamar de produção significa que o país se torna cada vez mais relevante na oferta de petróleo para o grupo de países não pertencentes à OPEP e para mundo, contribuindo, assim, para mitigar os efeitos dos movimentos unilaterais do cartel.
De forma geral, entretanto, espera-se que os aumentos da oferta desses países sejam bastante moderados em 2023.
De acordo com a própria OPEP, o crescimento total esperado, em média, deve ser de cerca de 1,5 milhão de barris/dia, em comparação com 1,9 milhão de barris/dia, em 2022, que devem ser impulsionados com o início de novos campos offshore na América Latina e no Mar do Norte.
Tudo indica que a produção de petróleo bruto dos EUA ainda represente a maior parte do crescimento da oferta entre os países não pertencentes à OPEP em 2023, compensando a redução de produção na Rússia e no México.
Porém, como mencionado, o foco no retorno de caixa aos acionistas – bem como o impacto da inflação – interrupção da cadeia de suprimentos e os custos de produção mais altos, limitaram o ritmo da recuperação do setor de petróleo nos EUA este ano.
Com isso, abrem-se oportunidades ainda mais interessantes para países como Brasil, que pode estar entre os cinco maiores produtores de petróleo já na próxima década.
Por outro lado, nesta disputa, o contexto sinaliza de forma objetiva que a OPEP+ está de volta para ditar as regras do jogo com maior influência no controle dos preços de petróleo para o mundo.
Neste contexto, os países que melhor se adaptarem às condições, tiverem agilidade e apresentarem maior atratividade para investimentos, alcançarão maior influência neste mercado tão relevante quanto o de energia.
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Com mais de 30 anos de experiência em gerência geral, desenvolvimento de negócios e investimentos corporativos, Felipe Kury é ex-diretor executivo e membro do conselho de administração da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis) onde se especializou no setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis. Anteriormente, atuou como executivo de empresas globais, como Managing Director na Tetrad Capital Partners (UK), Presidente na Thomson Reuters Financial & Risk, Diretor Executivo na Microsoft Corp.(USA), além de Softbank Intl.(USA) e IBM Corp (USA).