Uma nova tendência: mineração em águas profundas e sua implicação geopolítica

Os minerais críticos são centrais para o desenvolvimento de tecnologias que sustentam a transição energética. Dentre eles, o lítio, cobre, cobalto e zinco, são essenciais para a construção de placas solares, turbinas eólicas e motores de carros elétricos necessários para um futuro de baixo carbono.  

Enquanto a maior parte dos especialistas pesquisam sobre minerais críticos sob a ótica da mineração tradicional, poucos estão cientes do potencial efeito devastador que uma nova tendência para atender essa crescente demanda poderá causar. 

O debate sobre a mineração em águas profundas vem ficado em segundo plano, enquanto outros desafios globais que envolvem a geopolítica energética estão sendo discutidos.

Esse tema vem passando despercebido pela maior parte das plataformas de notícias sobre o setor energético, especialmente, porque é muito recente, controverso e requer mais pesquisas científicas para alcançar um consenso.

A mineração em águas profundas é um processo que utiliza grandes máquinas aquáticas operando no fundo do oceano, cavando, dragando e coletando metais e minerais críticos. As máquinas são equipadas com tubos de sucção gigantes, que percorrem o leito marinho em filas, agitando objetos metálicos localizados a mais de 200 metros de profundidade. 

As máquinas vêm se tornando mais baratas e avançadas tecnologicamente, o que facilita o argumento econômico para a extração aquática de minerais críticos.

Depois do processo de garimpagem, minérios como manganês, cobalto, níquel, cobre, lítio entre outros, são encontrados na forma de sedimentos chamados de “nódulos polimetálicos”. Os nódulos se assemelham a batatas e objetos redondos de tamanho similar, que são extraídos do fundo do mar e enviados através de uma tubulação para navios na superfície.  

Tratado Internacional

Desde 1960, a comunidade internacional discute a mineração no fundo do oceano, tendo como principal marco a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CDNUM). Esse é um tratado multilateral firmado em 1982, na Jamaica, que utiliza o direito internacional para definir assuntos marítimos como zonas econômicas exclusivas (ZEE), plataformas continentais e estabelece princípios gerais para a exploração de recursos naturais nos oceanos. 

Em 1994, o CDNUM criou a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority, na sigla em inglês, ISA), responsável por controlar as atividades relacionadas aos recursos naturais minerais para o benefício da humanidade. Apesar de seu mandato para garantir a proteção do ambiente marinho, a ISA vem sendo pressionada por governos e empresas para autorizar licenças de mineração em águas internacionais.

Desde sua criação, a ISA se depara com desafios para estabelecer sua governança. Em 2021, o governo de Nauru, uma ilha no Pacífico, notificou a ISA de sua intenção em trabalhar com a empresa canadense The Metals Company (TMC) para iniciar a extração de minerais em águas profundas.

 A ação forçou a autoridade a adotar regras claras sobre mineração nesse contexto, dentro de no máximo dois anos. Após várias reuniões sem sucesso, no ano passado, a ISA acabou não conseguindo cumprir o prazo para estabelecer a regulação internacional necessária para a realização de mineração em águas profundas. É importante lembrar que a governança varia conforme a localização, já que as Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) definidas pela CDNUM são regulamentadas pelo país que as controla. No entanto, as áreas em que o governo de Nauru e outros países estão exigindo uma regulamentação imediata estão além das ZEE.

Os membros da ISA ainda enfrentam dificuldades para entrar em um acordo sobre quais regras deveriam regular essa indústria crucial para o futuro da transição energética. Um dos principais desafios é a falta de conhecimento científico sobre a vida marinha e ecossistemas no fundo do mar. 

Apenas 5% dos oceanos já foram explorados, ou seja, a comunidade científica ainda busca compreender aspectos biológicos, químicos, físicos e geológicos de 95% do oceano. Conhecemos mais sobre a superfície da Lua do que das profundezas do oceano. 

A maior preocupação dos estados membros é que a autoridade acabe tomando decisões baseadas em interesses comerciais, que poderiam comprometer o CDNUM e facilitar a violação de territórios marítimos regidos pelo direito internacional. 

Impacto Ambiental

Cientistas estão preocupados que a mineração em águas profundas possa causar danos irreversíveis ao vasto ecossistema marinho, que em grande parte ainda está intocado. Um artigo do Sustainability Project indica os cinco principais características e impactos desse tipo de mineração:

  1. Imprevisibiliade. Como já mencionado, faltam informações sobre esse ecossistema para que cientistas sejam capazes de prever o impacto da extração de minérios. Mais de 75% do leito marinho permanece sem mapeamento, e menos de 1% do oceano profundo foi explorado. 
  2. Contribuir para a mudança climática. O oceano profundo absorve e armazena mais de 38% do dióxido de carbono gerado no planeta. A decomposição do carbono armazenado em sedimentos poderia exacerbar as mudanças climáticas. 
  3. Poluição sonora e de luz. Os ruídos causados pelas máquinas em águas profundas poderia afetar a comunicação entre animais marinhos que utilizam o som e a frequência das águas para se orientarem. Já a luz dos navios, máquinas, e possíveis vazamentos de combustíveis poderiam danificar ecossistemas e a biodiversidade marinha. 
  4. Resíduos aquáticos. A movimentação dos sedimentos podem liberar partículas que se dispersam por centenas de quilômetros, e podem levar muito tempo para se depositar novamente no leito marinho, afetando ecossistemas e podendo sufocar animais, prejudicar espécies filtradoras e bloquear a comunicação visual de animais. 
  5. Direitos humanos. Existem também implicações para as comunidades que poderiam ser afetadas pela poluição ou pela escassez da pesca, comprometendo benefícios econômicos e financeiros que dependem para sua sobrevivência.

Mais de vinte países demandam uma moratória na mineração em águas profundas, juntando-se às vozes da ciência, da sociedade civil, de instituições financeiras e de empresas que levantaram preocupações sobre as potenciais atividades de mineração em águas profundas diante das grandes incertezas. 

A empresa canadense TMC já garantiu que assim que a ISA aceitasse os pedidos de exploração no fundo do mar, a companhia se comprometeria em realizar as avaliações de impacto social e ambiental. 

O problema é que, apesar desses estudos e das potenciais compensações ambientais, ainda não se sabe o nível de danos que a mineração em águas profundas pode causar ao meio ambiente. 

Isso ocorre porque o leito marinho abriga uma biodiversidade única e muito frágil. Além disso, a mineração tradicional já realiza essas avaliações, e ainda assim, muitos de seus projetos resultam em danos irreparáveis para o meio ambiente e comunidades locais.

*Artigo escrito por Eduarda Zoghbi, Oficial de Desenvolvimento Bilateral e Multilateral no Rocky Mountain Institute (RMI) e Forbes Under 30 em 2023

Artigo publicado na 50ª edição da Full Energy. Clique aqui para ler outros conteúdos desta edição.

 

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