A Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizará uma sessão pública do 3º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC), licitação para concessão de contratos de blocos de exploração ou reabilitação e produção de petróleo e gás natural. O leilão oferta 379 blocos exploratórios para concessões localizados em dez estados brasileiros: Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Ceará, Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo que 32 dessas áreas estão localizadas em alto mar (offshore) e 347 blocos terrestres.
“Essa rodada é um total absurdo, pois o edital líquida blocos que podem ter garantias de ofertas a partir de 10 mil reais. Estão loteando o nosso subsolo a preço de banana, em plena crise climática,” argumenta o engenheiro Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto ARAYARA.
As organizações do terceiro setor que atuam na área questionam o leilão especialmente por desconsiderar os povos tradicionais, que têm seus direitos garantidos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada no país por meio do Decreto no 5.051/2004.
Referente às Diretrizes Ambientais deste certame, ainda não foram concluídas pela ANP as Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS), instrumento definido pelo Conselho Nacional de Politica Energética (CNPE) para o planejamento de outorga de áreas petrolíferas.
Dessa forma, há blocos que estão sendo ofertados em zonas de alta sensibilidade ambiental e sem consulta às populações tradicionais destes territórios como indígenas, quilombolas e pescadores artesanais. O processo de licitação desconsiderou, inclusive, o impacto em áreas de Unidades de Conservação próximas.
Os blocos são distribuídos por 14 setores de sete bacias: dois setores de Santos, um de Pelotas, dois do Espírito Santo, três do Recôncavo, quatro do Potiguar, dois em Sergipe-Alagoas e Tucano. De acordo com as regras da Oferta Permanente, os setores definidos para um ciclo são aqueles que receberam declarações de interesse de empresas previamente inscritas, acompanhadas de garantia de oferta e aprovadas pela Comissão Especial de Licitação.
Aumento da exploração
O edital vigente da Oferta Permanente publicado em 30 de julho de 2021 contempla o total de 1068 blocos em 72 setores de 17 bacias sedimentares brasileiras: um total de 462,5 mil quilômetros quadrados (o correspondente a mais de 16 vezes o tamanho do estado de Alagoas), com 522 blocos nas bacias terrestres e 546 blocos nas bacias marítimas.
Restam 1005 mil blocos que poderão receber ofertas pelas atuais 79 empresas aprovadas pela Comissão Especial de Licitação (CEL) da ANP para declararem interesse em um ou mais dos blocos e áreas ofertados no edital da Oferta Permanente. Essa modalidade licitatória da ANP permite que as empresas não esperem mais uma rodada de licitação ‘tradicional’ para ter oportunidade de arrematar um bloco ou área com acumulação marginal.
O Brasil foi loteado pela ANP para que os blocos com risco exploratório fiquem permanentemente em oferta, ou seja, disponíveis às companhias petrolíferas no tempo que elas julgarem necessário para estudarem essas áreas antes de fazer uma oferta, sem o prazo limitado como nos editais anteriores.
O Instituto ARAYARA entrará com uma representação judicial na Justiça Federal contestando a ausência da consulta a comunidades diretamente atingidas pela exploração e produção de petróleo. Entre os impactados estão colônias de pescadores artesanais, quilombolas, comunidades indígenas e outros povos tradicionais extrativistas.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) vê o assunto com muita preocupação, particularmente no que se refere à perspectiva de aumento da produção de gás natural no país e destinação do combustível para a geração de energia elétrica.
“O aumento da geração de energia em termelétricas é muito grave, pois suja a matriz elétrica do país e pressiona ainda mais as tarifas da energia”, alerta o coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, Anton Schwyter.
Para a 350.org, organização global de campanhas pelo clima, este ciclo da ANP destaca-se, ainda, por agravar o racismo climático, ou seja, a piora das condições de vida de comunidades formadas majoritariamente por pessoas negras e indígenas. Dos blocos ofertados, mais de 80% localizam-se no Nordeste do Brasil, região duramente afetada pelos vazamentos de óleo que atingiram o litoral de dez estados, em 2019 e 2020. À época, o desastre ambiental impediu o trabalho, durante meses, de milhares de famílias de pescadores, marisqueiras, trabalhadores informais do turismo, entre outros grupos economicamente vulneráveis.
Consequências ambientais
A oferta de blocos de petróleo acontece logo após o lançamento da última parte do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo o documento dedicado a medidas de mitigação de mudanças climáticas, apesar da redução de emissão prevista pelos países em seus compromissos nacionais, a expectativa é que a temperatura média do planeta aumente por volta de 2,7°C neste século em relação ao fim do século XIX.
Neste sentido, a queima global de combustíveis fósseis nos setores de transporte, indústria e geração termelétrica comprometem o dobro do orçamento de carbono restante para evitar um aumento da temperatura global acima de 1,5°C – meta traçada no Acordo de Paris.
“Além dos compromissos nacionais não apontarem uma perspectiva suficiente de emissões de gases de efeito estufa (GEEs), a expansão de investimentos e oferta de combustíveis fósseis indica uma tendência de aumento dessa atividade”, afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
O setor de energia, que contabiliza GEEs provenientes da produção e do uso de combustíveis, emitiu 393,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e) em 2020, o que representou 18% do total nacional, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Dentro desse setor, a maior atividade emissora é o transporte, responsável por 47% de todas as emissões.
A produção de combustíveis contabiliza a emissão de 55 milhões de toneladas em 2020, tendo sido pela primeira vez a segunda atividade mais emissora do setor de energia. A exploração de petróleo e gás natural é um exemplo de atividade que tem crescido consistentemente devido aos novos empreendimentos no pré-sal brasileiro.
“A recente publicação do IPCC enviou uma mensagem decisiva de que devemos agir imediatamente para evitar os impactos climáticos provocados pelas atividades de extração de petróleo e gás natural. Vários blocos disponíveis no leilão poderão causar danos em áreas protegidas e prioritárias para a conservação da biodiversidade brasileira. O risco de investir nessa atividade é enorme e tem consequências duradouras”, ressalta Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
A intensificação da oferta de blocos e áreas tem sido viabilizada também pelo desmonte das normas infralegais na pasta ambiental, a exemplo da PORTARIA MMA Nº 275, DE 5 DE ABRIL DE 2019. A medida destituiu o grupo de trabalho responsável por analisar a sensibilidade ambiental das bacias sedimentares antes dos leilões dos blocos de petróleo e gás.
O grupo era composto por especialistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que recomendavam quais blocos eram passíveis de ir a leilão e posteriormente adentrar um processo de licenciamento.
“A portaria faz com que a decisão fique a cargo apenas do presidente do Ibama, fazendo com que seja muito mais política do que técnica. Resulta que áreas altamente sensíveis aos acidentes por vazamento, aos impactos da prospecção e ao trânsito de embarcações, como os recifes de corais, áreas de reprodução de cetáceos e ecossistemas de água doce (bacias sedimentares terrestres da Amazônia), se tornam passíveis de serem leiloadas”, ressalta Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Mobilização da sociedade civil
Em 13 de abril, às 9h, em frente ao Hotel Windsor, representantes de comunidades pesqueiras e quilombolas de Sergipe e da pesca artesanal do Rio de Janeiro farão um protesto em frente ao hotel onde o leilão será realizado, na capital fluminense.
O ato visa chamar a atenção da sociedade para a emergência climática que exige o fim da extração e dos projetos de exploração de petróleo e gás.
“As comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas estão na linha de frente das mobilizações contra o petróleo e o gás porque são, em geral, as mais diretamente atingidas pelos frequentes acidentes nesse setor. Ao invés de manchar de óleo o território dessas populações, o governo brasileiro deveria investir em geração de energia limpa e socialmente justa”, afirma Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.
A Oferta Permanente é a principal modalidade de licitação de áreas para exploração e produção de petróleo e gás natural no país. Nessa configuração, há ofertas contínuas localizadas em quaisquer bacias terrestres ou marítimas. Até o ano passado, ela era realizada exclusivamente em regime de contratação por concessão. Agora, será realizado o terceiro ciclo de forma diferente dos demais, onde as definições dos parâmetros poderão ser adotadas para cada campo ou bloco.