Conforme aponta o Panorama do Coprocessamento (ABCP, 2022), o Brasil substitui 29% (vinte e nove por cento) do pet coque por combustível derivado de resíduos (CDR) no coprocessamento em fornos de clínquer, mas pode chegar a índices acima de 60% como ocorre na Europa, o que se traduz em economia nos custos do combustível e redução dos gases de efeito estufa, além de dar uma destinação ambientalmente adequada ao resíduo que, de outra forma, seria aterrado.
Entre 1990 a 2020, o Brasil coprocessou 20.566 milhões de toneladas de resíduos e, em 2020, foram 2,01 milhões de toneladas coprocessadas pela indústria cimenteira.[1]
O mapa abaixo identifica as fábricas de cimento com licença para operar com CDR na atividade de coprocessamento, e as unidades de moagem de resíduos para produção do CDR.
A primeira usina de recuperação energética por incineração, a Unidade de Recuperação Energética (URE) Barueri, que recebe resíduos sem necessidade de pré-tratamento, encontra-se em construção no Estado de São Paulo, para atendimento do contrato de compra e venda de energia elétrica no ambiente regulado (CCEAR) firmado com as Distribuidoras de Energia Elétrica, decorrente da participação no leilão de energia nova em 2021.
Com um preço teto de R$ 639,00/MWh, a usina vendeu 12 (doze) MW de potência instalada no Leilão A-5 de 2021, no preço de R$ 549,00/MWh, já possui licença de instalação e suas obras já estão em andamento, estando prevista a entrada em operação comercial no primeiro semestre de 2025.
A recuperação energética garante o suprimento de energia termoelétrica 24 (vinte e quatro) horas por dia, 7 (sete) dias por semana, com 1 (uma) semana de parada programada para manutenção por ano, totalizando até 8.500 (oito mil e quinhentas) horas/ano.
São usinas que operam na base e garantem confiabilidade e estabilidade ao sistema elétrico, mediante fornecimento de capacidade elétrica (potência) ao sistema.
A recuperação energética de resíduos trabalha com a destruição térmica de até 99% do volume do resíduo urbano, reduzindo drasticamente a necessidade de utilização de aterro, que neste caso seria apenas para receber os rejeitos, ou seja, os resíduos inertes que não possuem emissões líquidas (chorume ou lixiviado) ou gasosas (metano).
Essa é a tecnologia dominante para tratamento de resíduos em todo o mundo, utilizado em 11% dos resíduos sólidos urbanos à nível global, 25% na União Europeia e mais de 40% em países nórdicos (Áustria, Alemanha, Suíça, Bélgica, Países Baixos, Finlândia), 70% no Japão, 13% nos Estados Unidos (Ecoprog, 2022), que por meio dessa tecnologia conseguem reduzir a dependência de aterros sanitários.
Ainda segundo relatório da consultoria Ecoprog (2022), a China lidera o ranking entre os países do mundo que mais possuem capacidade instalada de recuperação energética de resíduos por combustão, com uma capacidade de tratar termicamente 229 milhões de toneladas por ano de resíduos sólidos.
A Europa trata o montante total de 105,8 milhões de ton/ano. O Japão aparece em terceiro lugar, com 64 milhões de ton/ano, seguido dos Estados Unidos, com 29 milhões ton/ano, e em quinto lugar a Alemanha, com a capacidade de tratar 27 milhões de ton/ ano.
Trata-se de uma tendência mundial irreversível para a destinação final da fração não reciclável do lixo urbano. Conforme aponta o relatório Ecoprog (2022), existem 2.596 usinas de recuperação em todo o mundo, 545 na Europa, 622 na China, 256 na Coréia do Sul, 130 na França, 98 na Alemanha, e 73 nos Estados Unidos, e muitos países já não utilizam aterros sanitários (ou até proíbem), como Alemanha, Áustria, Suíça, Bélgica, Finlândia, Suécia, Países Baixos, Japão e Singapura.
O Brasil, por outro lado, ainda não possui nenhuma usina de recuperação energética de resíduos sólidos urbanos em operação, apenas uma usina em construção, a URE Barueri, com 20 MW (vinte megawatts) de potência instalada e que deve entrar em operação em 2025.
Temos também usinas de captura de biogás de aterro (cerca de 300 MW de potência instalada) e dois biodigestores no Paraná (cerca de 3,5 MW de potência instalada).
Com uma geração anual de 80 (oitenta) milhões de toneladas de resíduo sólido urbano (RSU) por ano, o Brasil tem um potencial enorme para desviar resíduos de aterros, e assim destinar de forma ambientalmente adequada a fração não reciclável para o tratamento térmico, que é a opção mais utilizada preferível pelos países desenvolvidos e também em desenvolvimento.
Segundo a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), o setor tem ainda a expectativa de cerca de R$ 7,2 bilhões em aportes nas URE Mauá (80 MW), URE Caju (31 MW) e URE Consimares (20 MW) em 2023, caso esses empreendimentos vençam os próximos leilões que serão promovidos por esse Ministério.
Há hoje 10 projetos em andamento no Brasil que irão gerar cerca de R$ 15 (quinze) bilhões em investimentos em CAPEX. Se seguirmos as metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos – Planares, aprovado pelo Decreto Federal nº 11.043/2021, que prevê em sua Meta 9 o total de 994 MW de potência instalada até 2040, ou seja, praticamente 1 GW (hum gigawatt) de potência instalada, teremos um total de investimentos de R$ 55 (cinquenta e cinco) bilhões neste período.
No Estado de São Paulo, existem 04 (quatro) Usinas de Recuperação Energética (UREs) com licenciamento ambiental válido, emitidas por meio de EIA/RIMA.
A URE Barueri detém Licença de Instalação, e as UREs Mauá e Consimares possuem Licença Ambiental Prévia emitida.
No Estado do Rio de Janeiro, a URE Caju detém Licença Prévia válida. Em todos esses projetos encontram-se aptos e devem participar dos leilões a serem promovidos por este Ministério de Minas e Energia.
A ABREN também estima que tenham sido investidos R$ 150 (cento e cinquenta) milhões em usinas de combustíveis derivados de resíduos (CDR) para coprocessamento em 2021. Esse tipo de combustível é considerado uma alternativa ecologicamente viável para a substituição de derivados de petróleo, como o pet coque, por exemplo.
Há 38 indústrias no Brasil habilitadas para utilizar o CDR – um número que pode crescer muito, impulsionado pelo Decreto Presidencial nº 10.936, de 12 de janeiro de 2022.
Atualmente, os resíduos considerados perigosos, além dos pneumáticos em fim de vida, constituem parte significativa do CDR produzido no Brasil.
O novo Decreto detalha um rol extenso de resíduos perigosos, inclusive solo contaminado com combustíveis, que devem ser destinados, obrigatoriamente, para a recuperação energética se, em um raio de 150km (cento e cinquenta quilômetros), houver uma usina em operação e devidamente licenciada.
Desta maneira, o decreto afasta, de maneira definitiva, entendimentos ultrapassados sobre a destinação adequada desses materiais, adotados em alguns Órgãos Ambientais Estaduais.
Vale ressaltar que, para cada R$ 1,00 (hum real) investido em recuperação energética, deixa-se de gastar R$ 2,00 (dois reais) no meio ambiente e R$ 1,00 (hum real) na saúde pública (ABREN, 2022).
São questões de Estado que devem ser endereçadas para além da necessidade energética, e o Ministério Público precisa estar atento a esta realidade existente no gerenciamento de resíduos.
[1] ABCP. Panorama do Coprocessamento 2021. 2022.
Yuri Schmitke é Presidente Executivo da ABREN, Presidente do Waste to Energy Research and Technology Council – WtERT Brasil e sócio da Girardi & Schmitke Advogados, Yuri é Bacharel em Direito, Pós-graduado em Direito de Energia Elétrica e Mestre e Direito e Políticas Públicas. Possui título Master no Curso EU Clean Energy Pack da Florence School of Regulation (FSR), European University Institute, Itália. Membro do Energy Recovery Working Group da International Solid Waste Association (ISWA), e autor do livro “Waste-to-Energy, Recuperação Energética como Forma Ambientalmente Adequada de Destinação dos Resíduos Sólidos Urbanos.”