Após seis anos desde a última Conferência das Partes (COP) ser sediada em um país africano, a COP27 gerou certa expectativa em relação às discussões sobre a crise energética global.
Para os participantes que atuam no setor, a COP27 deixou muito a desejar ao não enfatizar energia como um tema central e pouco abordar a outra crise energética que o Sul Global vivencia – a crise de acesso à energia.
Hoje, mais de 700 milhões de pessoas não tem acesso a eletricidade e mais de 2 bilhões não tem acesso a combustíveis para cozinhar de forma limpa, ambos servem como métricas para o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS 7) das Nações Unidas.
Daqueles que ainda não tem acesso a eletricidade, cerca de 77% estão no continente africano e, pela primeira vez em décadas, a quantidade de pessoas sem acesso aumento.
É tradição nas COPs que o país sede para o evento decida sobre os dias temáticos. Normalmente o dia da energia acontece na primeira semana da COP, por ser prioridade para a maior parte das discussões, entretanto este ano, o dia da energia ocorreu em um dos últimos dias do evento, deixando essa temática em segundo plano.
A conferência esse ano também contou com mais pavilhões e stands do que o comum – o próprio Brasil tinha três pavilhões: governo federal, sociedade civil e governadores da Amazônia.
Além de um espaço físico muito maior que o comum, esse formato dificultou bastante que os participantes tivessem a oportunidade de transitar por diversos pavilhões ou interagir com negociadores.
Sabíamos desde o início que essa era uma COP focada em implementação, levando adiante negociações técnicas que se iniciaram na COP26, em Glasgow, no ano passado.
Na edição deste ano, o tema central das discussões foi o financiamento para adaptação climática e a criação de um fundo para perdas e danos. Os governos concordaram em dar continuidade ao Global Goal on Adaptation, que será concluído na COP28, em Dubai, e se comprometeram a doar mais de 230 milhões de dólares para o já existente Adaptation Fund.
O texto final “Sharm el-Sheikh Implementation Plan” reconheceu que serão necessários investimentos na ordem de 4-6 trilhões de dólares por ano para transformar o planeta em uma economia de baixo carbono.
Apesar desses temas terem sido pré-determinados como prioridades, imaginava-se que, durante a escassez global de combustíveis e derivados do óleo e gás, as discussões sobre subsídios, comércio exterior e geopolítica viriam à tona durante os pronunciamentos e debates.
Entretanto, os debates mais sensíveis ocorreram a portas fechadas entre países que trabalham juntos para reduzir a ambição de uma transição energética limpa nos textos da COP. A Arábia Saudita e a Rússia se opuseram a menções sobre óleo e gás no texto final, enquanto o Egito defendeu o gás natural como gás de transição.
A boa notícia foi o lançamento do Just Energy Transition Partnership (JETP) pela União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Japão. A iniciativa foi anunciada durante a reunião do G20, que ocorreu durante a COP27, inicialmente tendo como foco apoiar a Indonésia nas suas metas de mitigação, redução do uso de carvão e disseminação de tecnologias renováveis com financiamento de 20 bilhões de euros. Apesar do sucesso ter ocorrido em Bali, a notícia foi celebrada amplamente na COP.
Enquanto muitos estavam atentos nas mudanças propostas para o texto final no que tange ao setor energético, um dos principais desfechos da COP27 foi o amplo pedido de mais de 200 países a reestruturação da arquitetura financeira climática.
O discurso comovente da Mia Mottley, Primeira-Ministra de Barbados chama atenção para o crescimento das dívidas que países em desenvolvimento e ilhas no Caribe e Pacífico enfrentam ao ter que se adaptar à mudança climática.
Enquanto a maior parte lida com altas na inflação e desvalorização frente ao dólar, o financiamento de bancos multilaterais continua sendo um grande ônus para essas nações.
O que esperar da COP28? Como em todas as edições passadas, o tema de financiamento continuará sendo o principal enquanto países em desenvolvimento cobram dos desenvolvidos maior responsabilidade quanto às suas emissões históricas.
A próxima COP também será palco para o primeiro balanço global dos países signatários do Acordo de Paris em relação aos seus objetivos de longo prazo e metas para redução da temperatura global em 1,5°C.
Sediada nos Emirados Árabes, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a COP28 precisa colocar a energia no centro das discussões e mostrar que o Egito falhou.
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Eduarda Zoghbi é cientista política pela Universidade de Brasília e mestre em administração pública e política energética pela Universidade de Columbia. Possui experiência profissional nas áreas de energia, mudança climática e gênero, tendo trabalhado em diversas organizações internacionais como: ONU, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Eduarda já recebeu os prêmios REvolutionaries, Global Youth Visionary, Environmental Education 30 Under 30 e faz parte do programa Women Leaders in Energy Fellowship do Atlantic Council. Hoje está liderando a expansão do programa Women In Energy da Universidade de Columbia para o Brasil.