Carlos Freire, da ABEN: “A energia nuclear passou a ser vista como solução para mitigar as emissões de carbono”

Entrevista exclusiva com Carlos Freire, presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN)

Em janeiro de 2024, Carlos Freire Moreira tomou posse da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN) para o mandato referente ao biênio 2022/2024.

Engenheiro naval e ex-presidente da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Carlos Freire colocou como prioridade de sua gestão os contatos diretos com todas as partes envolvidas no setor nuclear, como empresas, institutos ou associações, ampliando o diálogo do setor.

“Nossa principal dificuldade está ligada à falta de percepção da sociedade da importância e dos benefícios que o nuclear pode aportar para as atividades nos mais diversos setores como. Isso se reflete nas decisões de governo quanto a priorizar recursos para o setor”, ressalta Freire.

À Full Energy, Freire comenta sobre esse desafio, além do papel da energia nuclear na matriz energética, o investimento do país nesse cenário e as tecnologias promissoras.

1 – Quais são os principais desafios enfrentados pelo Brasil quanto à expansão da energia nuclear?

Podemos dizer que a principal dificuldade está ligada à falta de percepção da sociedade da importância e dos benefícios que o nuclear pode aportar para as atividades nos mais diversos setores como: geração de energia, tratamento e exames médicos, preservação de alimentos, preservação de obras de arte, etc. Isso se reflete nas decisões de governo quanto a priorizar recursos para o setor. Outro aspecto é que o Programa Nuclear Brasileiro (PNB) poderia ser tratado como Política de Estado em vez de política de governos, para ter efetiva continuidade.

2 – Como você avalia o investimento em infraestrutura e como isso afeta o crescimento do setor nuclear no Brasil?

O orçamento da União, hoje, tem uma parcela muito pequena para investimento em infraestrutura. Essa realidade somada à falta de percepção, comentado acima, faz com que os recursos para investimentos no setor sejam muito reduzidos, afetando diretamente o crescimento do Setor.

3 – Qual é o papel da energia nuclear na matriz energética brasileira atualmente, e como isso pode evoluir nas próximas décadas?

Atualmente, a energia nuclear responde por cerca de 2% na matriz de geração de energia do Brasil. Entretanto, se olharmos para o Estado do Rio de Janeiro, a geração de energia nuclear responde por mais de 30% da eletricidade consumida. É importante ressaltar que a energia nuclear é uma energia de base que dá segurança ao fornecimento de energia sem flutuações no sistema. Quando Angra 3 estiver em funcionamento, a energia nuclear passará a gerar o equivalente a 60% do consumo do Estado do Rio de Janeiro e 3% do consumo do Brasil.

4 – Como o Brasil pode potencializar a expansão da energia nuclear?

O Plano Nacional de Energia – PNE 2050 já prevê a expansão da geração de energia nuclear em cerca de 8 a 10 GW. Isso significa acrescentar cerca de 6 usinas do porte de Angra 2 no sistema de geração nuclear. O Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2030 prevê uma quarta usina, demonstrando o engajamento do governo com a geração de energia nuclear.

5 – Quais são as perspectivas de cooperação internacional do Brasil para o desenvolvimento de novas capacidades nucleares?

A geração de energia nuclear passou a ser vista como parte da solução para mitigar as emissões de carbono, por ser uma energia limpa e segura. Isso levou a que inúmeros países retomassem e até ampliassem os seus programas de geração de energia nuclear, gerando uma demanda por urânio muito acima das expectativas, fazendo disparar o preço da commodity Urânio. Isso associado à Flexibilização do Monopólio, trazida pela Lei nº 14.514/2022, abre uma janela de oportunidades para que o Brasil faça parcerias para ampliar a capacidade de explorar e exportar urânio.

6 – Como a capacitação técnica e a formação de mão de obra especializada podem impactar o futuro da energia nuclear no Brasil?

O futuro da energia nuclear vai depender fortemente da formação de mão de obra especializada. Os anos de letargia do setor fizeram com que os jovens perdessem o interesse pelo nuclear. Recuperar esse interesse vai depender de investimentos e continuidade das políticas de ampliação do setor.

7 – Como a indústria nuclear pode contribuir para a segurança energética global em um cenário de crescente instabilidade geopolítica?

Os acontecimentos nos últimos anos têm mostrado que os países não podem ter um nível de dependência de insumos fundamentais, como energia, da forma que vinha acontecendo com a Europa em relação ao gás da Rússia para alimentar suas plantas térmicas de geração de energia. Nesse sentido, a geração nuclear pode ser uma alternativa para esse tipo de situação.

8 – De que maneira as novas tecnologias digitais, como inteligência artificial e big data, estão sendo integradas às operações nucleares para melhorar a segurança e a eficiência?

Para abastecer a grande demanda de eletricidade da Inteligência Artificial (IA) e os seus data centers e, ao mesmo tempo, atender a agenda global de energia oriunda de fontes limpas, as desenvolvedoras já investem em iniciativas de energia nuclear, que é firme e de base. Além disso, a IA tem várias aplicações na indústria nuclear, que podem abranger desde o projeto e desenvolvimento de reatores até a operação segura das usinas nucleares. As principais aplicações da IA na indústria nuclear são em frentes como projeto e simulação de reatores, segurança nuclear, manutenção preditiva, otimização do combustível, simulação e modelagem, gestão de resíduos nucleares, robótica nuclear e treinamento de operadores.

9 – Quais são as inovações tecnológicas mais promissoras no setor nuclear, e como elas podem impactar a eficiência e segurança das operações?

Sem sombra de dúvida, os SMR – Small Modular Reactors e os Micro Reactors são as grandes inovações do setor nuclear. Poder gerar energia nuclear em plantas modulares de baixo custo, com longo ciclo de troca de combustível, podendo ser alocadas próximas aos locais de demandas, etc, são os grandes atrativos por esse tipo de geração.

10 – Hoje, quais são as principais demandas do setor?

Há necessidade de acelerar grandes empreendimentos previstos para o Programa Nuclear Brasileiro, como o Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental – Centena, cujo objetivo é projetar, construir e comissionar um centro tecnológico que, além de armazenar definitivamente os rejeitos radioativos, vai contar com edificações de apoio operacional e instalações para pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Além disso, é preciso efetivar a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), para separar as funções de regulação, fiscalização e licenciamentos das de pesquisa e desenvolvimento, atualmente concentradas na Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Por fim, há o Projeto Santa Quitéria e a regulamentação da Lei 14.514/2022, que flexibiliza o monopólio do ciclo do combustível, que permite que a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) possa fazer parcerias, gerando, nas diversas etapas do ciclo, riquezas e empregos para o País.

 

ABEN

A ABEN foi fundada em 1982 e é a instituição que reúne os técnicos e pesquisadores do setor nuclear brasileiro. Entre suas atribuições, está a difusão de informações sobre as aplicações pacíficas da energia nuclear, como a geração de energia elétrica, a medicina, a agricultura, o meio ambiente, a indústria, a preservação de bens culturais e a propulsão naval e espacial. O trabalho da ABEN tem o objetivo de promover cada vez mais, uma maior integração entre a comunidade nuclear e a sociedade brasileira.

 

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