A transformação digital, que já antes da pandemia da Covid-19 era tida como prioridade para o futuro, precisou ser acelerada e já faz parte da realidade das empresas dos mais diversos setores da economia no mundo todo.
Contudo, a indústria de óleo e gás internacionalmente ainda apresenta um grau relativamente baixo de maturidade na jornada de transformação digital, quando comparada a outros segmentos.
No Brasil, esse cenário não é diferente, apesar de as organizações já estarem adotando muitas iniciativas digitais e ainda existe um longo caminho a ser percorrido em direção à maturidade digital.
Essa é a principal conclusão do estudo “Maturidade digital da indústria de óleo e gás no Brasil”, realizado pela Deloitte.
O relatório conta com o apoio da ABESPetro (Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo), do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás) e da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).
“Os maiores desafios se encontram em avançar na digitalização de processos, na extração de valores dos dados de forma mais eficiente, em modelos de colaboração, no maior estímulo à capacitação massiva em habilidades digitais, na estruturação de processo de inovação e na mudança cultural. Com esse raio-x que o relatório da Deloitte traz sobre o tema, as organizações do setor de óleo e gás poderão se conscientizar e focar na construção de iniciativas para avançar no desenvolvimento da transformação digital dessa importante indústria no Brasil”, destaca Eduardo Raffaini, sócio e líder de Capital Projects & Asset Transformation e de Óleo e Gás da Deloitte.
De acordo com a pesquisa da Deloitte, a ampla maioria (95%) afirma que entende de assuntos digitais — e esse número sobe para 100% entre as petroleiras participantes.
Para 88% dos respondentes, suas organizações colocam ênfase significativa nas formas digitais de trabalho, e praticamente o total de participantes (98%) acredita que o digital tem a capacidade de causar um impacto positivo nas atividades das empresas e nas equipes.
No entanto, 40% das petroleiras participantes responderam que iniciativas digitais muitas vezes resultaram em aumento de trabalho e geraram pouco benefício, indicando um risco de que o desenho dessas iniciativas tenha sido insuficiente ou mesmo que sua completa implementação enfrente desafios para gerar o valor esperado.
Em uma autoavaliação, pode-se perceber que mais de 60% dos participantes consideraram que sua organização tem implementado muitas iniciativas digitais, mas apenas um respondente considerou sua organização verdadeiramente digital.
34% dos respondentes afirmaram que sua empresa recém começou ou ainda está por começar sua jornada no digital. Essa própria autoavaliação é um bom indicativo de que a jornada de transformação digital no setor ainda é longa, e as demais análises no estudo reforçam essa visão.
“A transformação pela qual estamos passando é disruptiva e requer estratégias arrojadas para maximizar os benefícios que ela pode trazer. O estudo da Deloitte mostra que há consciência dos desafios, mas que há ainda muito a ser feito para que estes benefícios se realizem”, analisa Telmo Ghiorzi, Secretário executivo da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (ABESPetro).
O relatório da Deloitte questionou sobre influência dos atores na indústria de O&G sobre a ambição digital das organizações.
Mais da metade (54%) respondeu que os concorrentes têm um impacto significativo na influência da ambição digital da sua organização; para a maioria (83%), esse impacto significativo vem dos clientes, entretanto essa influência dos clientes é ainda mais preponderante entre os participantes da cadeia de suprimentos (88%) do que entre as petroleiras (70%), o que reforça a importância das petroleiras em impulsionar a transformação digital do setor.
Menos de dois terços (63%) afirmam que implementaram muitas iniciativas digitais.
Pouco mais de um quarto (27%) destaca que esse processo começou recentemente, enquanto 7% ainda pretendem começar a jornada digital.
Apenas 3% se consideram uma organização verdadeiramente digital.
Para o presidente do IBP, Eberaldo Almeida Neto, o paradigma das empresas de óleo e gás tem mudado, incorporando, também, novas tecnologias à operação.
“Com a transição energética em curso, faz-se necessária uma produção de petróleo mais eficiente, ágil e com menor pegada de carbono, o que demanda o emprego intensivo de inteligência artificial desde a fase exploratória, passando pela gestão e execução do projeto e chegando à fase de operação dos campos. O uso mais eficiente dos dados garantirá a vantagem competitiva das empresas”.
“A ANP acaba de concluir um segundo aprimoramento na regulação dos investimentos obrigatórios de PD&I, tendo como um dos principais objetivos fortalecer ainda mais os projetos vinculados à inovação, incorporando novos mecanismos que têm sido utilizados globalmente”, destaca Alfredo Renault, superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da ANP.
Investimentos em digitalização
O estudo da Deloitte revela que entre as cinco áreas das organizações que mais receberam investimentos digitais, quatro delas não são relacionadas diretamente às operações: tecnologia da informação, pessoas e organização, gestão de clientes e finanças e fornecedores.
A área de operações e gestão de ativos, a única operacional que apareceu entre as cinco primeiras, ficou em terceiro lugar entre as que mais receberam investimentos, mas é a segunda com maior retorno percebido em relação a esses investimentos.
O relatório da Deloitte revela ainda que o fato dos maiores investimentos em digital estarem em áreas não operacionais indica que o processo de transformação digital no setor de petróleo e gás no Brasil ainda está tímido, ao não ser incorporado nas atividades principais da indústria.
E essa realidade de os investimentos em digital estarem concentrados em áreas não operacionais deve continuar para o próximo ano, segundo os respondentes.
A tendência é de ainda haja um longo caminho a ser percorrido até que a transformação digital do setor de óleo e gás no Brasil atinja as atividades principais dessas empresas e, consequentemente, contribua para a expansão de seu potencial de valor.
Para 98% dos participantes da pesquisa da Deloitte, o digital favorece a colaboração na indústria de óleo e gás, e 91% consideram a colaboração uma prioridade de negócio. Apesar disso, menos da metade (47%) afirma que seus fornecedores estão integrados aos seus programas de transformação digital.
De acordo com o relatório da Deloitte, isso significa que no âmbito digital podem estar ocorrendo barreiras que dificultam o desenvolvimento da colaboração. Um exemplo possível de dificuldade talvez seja a falta de um modelo claro com as regras, contrapartidas e responsabilidades dessa parceria.
Estratégia digital diversificada
A maioria das empresas (72%) conta com uma estratégia digital em vigor, e 66% afirmam que apoiam o autoaprendizado e fornecem orientação em treinamento digital aos profissionais.
Já 64% das organizações dizem ter funções digitais em toda a empresa, e não só na área de tecnologia da informação.
Entretanto, apenas 52% têm programas de habilidades digitais e capacitação, e somente 44% ressaltam que mais de um terço da organização participou de algum treinamento digital no último ano. Esses dados ressaltam a importância de desenvolver habilidades do digital nas organizações em larga escala.
A pesquisa da Deloitte revela que 56% das organizações têm uma estratégia diversificada para o desenvolvimento de iniciativas digitais, combinando a compra de soluções prontas do mercado, soluções desenvolvidas sob medida e parceria com terceiros.
56% das organizações têm um processo estruturado para gerir a inovação de ponta a ponta, e pouco mais da metade (51%) tem um funil central para receber e incorporar ideias — o relatório indica que ideal nessas duas variáveis seria de 70%, para indicar um processo de inovação mais maduro.
Outro ponto que chama atenção é que apenas 30% das organizações têm um orçamento central definido para inovação e mais de 20% não têm apoio financeiro disponível.
As três barreiras mais destacadas para a implementação de iniciativas digitais foram, na ordem:
- processos e estruturas organizacionais,
- ausência de uma estratégia coordenada
- padrões de dados e interoperabilidade.
Dessas três barreiras, as duas primeiras são compreendidas como sendo internas às organizações, enquanto a terceira pode ter como causa tanto questões internas entre as diferentes áreas da organização como dificuldades na padronização de informação e dados junto a parceiros e fornecedores.
As tecnologias dominantes
Ainda de acordo com o relatório da Deloitte, as tecnologias mais utilizadas pelas empresas do setor são os relatórios automatizados (66%), aplicativos nativos da nuvem (57%), dashboards (55%), nuvem/SaaS (software como serviço) (53%) e automação robótica de processos (53%).
Todas essas tecnologias foram apontadas pelos entrevistados como implementação generalizada em andamento ou amplamente utilizada.
Entre as tecnologias com mais ensaios e pilotos em andamento estão câmera de surveys (drones), sistemas autônomos (GRV, AUV, BVLOS) e fabricação aditiva/impressão 3D, sendo exploradas por aproximadamente 50% das organizações participantes.
Por outro lado, em pelo menos três tecnologias, mais de 40% dos respondentes não souberam informar se estão sendo implantadas de forma generalizada ou ao menos exploradas.
Ainda que uma parte dos respondentes não sejam os líderes de tecnologias de suas empresas, esse resultado indica que uma estratégia de adoção tecnológica descentralizada pode dificultar uma percepção integrada de uso na organização, de acordo com o relatório.
Dados são chave
Quando questionados sobre a governança de dados de suas empresas, 78% dos executivos concordam que as informações e os dados são tratados como um ativo de negócios-chave e alavanca de valor em suas organizações.
Apesar de os dados serem explorados e tratados como um ativo relevante e existir uma estratégia para seu gerenciamento em parte das empresas pesquisadas, na prática, a sua utilização de forma sistêmica mostra-se um desafio na maioria das organizações.
Nesse sentido, o estudo da Deloitte aponta que mais de 70% dos respondentes afirmaram concordar que muitas vezes precisam reformatar ou manipular dados para usá-los ou apresentá-los, seja quando esses vêm de dentro ou fora da organização.
Esse resultado indica que a padronização de dados pode ser uma questão a ser trabalhada nas organizações do setor.
Metodologia
O estudo “Maturidade digital da indústria de óleo e gás no Brasil – Ações, avanços e desafios da transformação digital na indústria no País” da Deloitte apresenta uma série de percepções de aproximadamente 50 organizações.
Essas empresas participaram da pesquisa ao longo de duas fases no segundo semestre de 2021: questionário eletrônico e entrevistas em profundidade.
Esses players representam os diversos atores na indústria de óleo e gás, tais como: operadoras/concessionárias, Oilfield Services Companies, fabricantes de equipamentos, fabricantes de produtos químicos, consultorias especializadas, acadêmicos/pesquisadores e especialistas.
Na primeira fase da pesquisa 42 organizações participaram por meio de questionário eletrônico. Mais de três quartos dos respondentes dessa fase são de nível executivo, permitindo ao estudo ter uma visão do processo de transformação digital no âmbito organizacional.
Os tipos de empresas que mais participaram da pesquisa eletrônica foram Oilfield Services Companies (13), operadoras/concessionárias (10), fabricantes de equipamentos (7), consultorias especializadas (6) e especialistas em nichos da cadeia de suprimentos de óleo e gás (4), compreendendo mais de 90% dos respondentes.
Entre as empresas operadoras/concessionárias, a pesquisa teve a participação de grandes petroleiras internacionais ou integradas (IOCs), petroleiras independentes e operador de pipeline.
Dois terços dos respondentes representam empresas que tiveram em 2020 receita líquida acima de R$ 100 milhões, indicando que as empresas de maior porte podem estar mais engajadas no processo de transformação digital em curso no setor.