A Escola Politécnica da Usp desempenha papel fundamental não por apenas formar os melhores profissionais que atuam no setor de energia, mas também por ser pioneira em projetos modernos e cada vez mais sustentáveis.
Em uma entrevista exclusiva para Full Energy, quatro professores da Poli-Usp responderam – em conjunto –tendências que a Usp vem desenvolvendo com os alunos de engenharia da universidade.
Participaram da entrevista: Liedi Légi B. Bernucci (diretora da Escola Politécnica da Usp), Marco Antonio Saidel (professor sênior da Escola Politécnica da Usp), Julio Romano Meneghini (professor titular da Escola Politécnica – EPUSP) e José Roberto Simões Moreira (coordenador do curso de especialização em energias renováveis, geração distribuída e eficiência energética da Usp).
Segue abaixo a entrevista completa.
Quais são as pesquisas e projetos mais recentes que Poli está executando no setor de energia?
Temos numerosas pesquisas voltadas à energia. Do ponto de vista da geração de energia elétrica as fontes alternativas de energia tem sido alvo de diversos projetos de pesquisas: no âmbito da geração solar fotovoltaica, a busca por aumento de eficiência na geração e a avaliação de diferentes arranjos de fornecimento são alvos de projetos em andamento. Em relação à geração eólica, outro importante foco, a pesquisa de sua integração com as gerações convencionais tem sido estudada seja no aspecto físico de conexão, seja no aspecto comercial de integração do “mix” de um conjunto de geração. No SISEA estamos desenvolvendo um simulador solar de alto fluxo para promover reações termoquímicas de produção de gás de síntese (CO + H2).
O gás de síntese pode ser usado para produção de energia elétrica em motores de combustão interna e turbinas a gás. Outro projeto de interesse é a separação de CO2 de biogás, conferindo um poder calorífico melhorado ao biogás para uso na geração elétrica. Já no Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) da FAPESP Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI www.usp.br/rcgi) tem uma carteira com 32 Projetos em andamento, todos eles procurando encontrar soluções inovadoras que envolvam transição energética, mitigação de emissões de gases estufa e percepção pública. Dentre os projetos, podemos citar aqueles que tratam da produção de hidrogênio, produção de biogás, separação de metano e dióxido de carbono (CO2), separação de gases e armazenamento em cavernas em domos salinos, produção de biocombustíveis com captura e armazenamento de CO2, desenvolvimento de hidrogel para retenção de CO2 no solo para um aumento da produtividade de plantações e projetos de reflorestamento. São mais de 300 pesquisadores desenvolvendo atividades nesses temas.
De que forma o curso pensa e coloca em prática a sustentabilidade nos projetos desenvolvidos pelos alunos?
No 5º ano de Engenharia da Escola Politécnica, temos o módulo de especialização. Os alunos podem escolher o módulo que deseja fazer dentre cerca de 40 opções. Há flexibilidade de habilitações, ou seja, eles podem ser da Civil e ir para a Mecânica, da Mecânica para a Eletrica, da Química para a produção, enfim, tem liberdade de escolha do 5º ano. Há módulos de especialização muito concorridos. O de Energias Renováveis é um dos mais concorridos.
Há uma certa liberdade entre os alunos para desenvolverem seus projetos de conclusão de curso. Muitos têm optado por incluir a questão energética nos seus projetos. Os projetos de pesquisa e inovação do RCGI, por exemplo, fazem um mapeamento acerca da aderência deles a cada um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) das Nações Unidas. Um número elevado de pesquisadores do RCGI é constituído por engenheiros egressos da Escola Politécnica. Esses pesquisadores, juntamente com aqueles com formação em física, química, geologia, economia, administração, geografia, história, direito e psicologia formam um grupo multidisciplinar atuando para encontrar soluções para a grande pandemia do Século 21: Mudanças Climáticas. Assim, os alunos estão expostos aos aprendizados e aplicações do conhecimento da forma mais ampla.
Quais foram as mudanças que a Poli fez para ser mais sustentável?
Introdução de blocos de disciplinas optativas para todas as modalidades de formandos traz uma visão mais abrangente das questões da sociedade e como a tecnologia e inovação podem auxiliar na resolução de problemas e mitigação de danos ao meio ambiente. Podem fazer optativas de Engenharia, mas também de outras áreas como Física, Matemática, Arquitetura e Urbanismo, Direito, Psicologia, Filosofia, Química, Biologia, entre todas as demais áreas do conhecimento.
No 5º ano, como comentado anteriormente, os alunos podem optar pelo módulo de especialização. Um dos blocos mais procurado pelos alunos é justamente o bloco de Energias Renováveis. Além disso, desde 2011 a Poli mantém um curso de especialização na área de Energias Renováveis, Eficiência Energética e Geração Distribuída por meio do seu programa de educação continuada, onde já foram formados ou estão em vias de formação quase 500 profissionais. A POLI tem programa de coleta seletiva e de resíduos, faz programas de redução de resíduos, participou ativamente do programa PURE de eficiência energética e redução de consumo consciente.
Qual é a principal característica que um engenheiro deve ter nos dias de hoje?
Os engenheiros devem ser mais flexíveis no sentido de aplicar seus conhecimentos para resolução de diferentes problemas em diferentes áreas de atuação, sabendo que pode mudar de área de conhecimento com liberdade e sucesso. Ter o espírito de “aprender a aprender”, ou seja, estar disponível e aberto aos novos aprendizados e se adaptar às mudanças do mercado e do mundo.
O engenheiro deve ampliar seus horizontes e poder trabalhar em grupo, sabendo lidar e interagir com diferentes profissionais, podendo realizar os mais interessantes e desafiadores projetos para a sociedade e em respeito ao meio-ambiente. Além disso, cultivar o espírito empreendedor para estar aberto às novas conquistas e oportunidades.
Quais foram as principais conquistas da Poli?
A POLI conquistou reconhecimento nacional e internacional com sua atuação na área de energia. Seus docentes na área de energia elétrica contribuíram com diversas gestões em órgãos reguladores. A produção científica tem relevância mundial, que pode ser exemplificada pelo alto grau de seus artigos. Em termos nacionais, especificamente, a contribuição conceitual para a difusão do programa de ampliação do acesso à energia elétrica, por toda a sociedade, em especial aquela afastada do segmento urbano, teve sua grande contribuição nos bancos da POLI.
A POLI, ESALQ e IEE estão desenvolvendo projeto de pesquisa, com patrocínio da SHELL Brasil, com o intuito de criar processos de produção de um Hidrogel com Ácido Oxilálico. O objetivo desse Hidrogel é reter carbono no solo de forma controlada e assim aumentar a produtividade na agricultura e reflorestamento. Outro projeto de destaque desenvolvido no RCGI é aquele que envolve a aplicação de conceitos de otimização topológica para projeto de selos/juntas labirinto. O uso de tal técnica permitirá que compressores de gás natural tenham suas emissões fugitivas de metano diminuídas em aproximadamente 60%. O uso dessas juntas poderá ter um forte impacto na mitigação de emissões de gases de efeito estufa numa escala global.
Deve-se estar atento que o ensino na POLI se dá em um ambiente de pesquisa de ponta. A POLI tem contribuído muito não somente com a formação de recursos humanos de excelência mas também com o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações, com várias patentes depositadas. A POLI conta com mais de 100 laboratórios de pesquisa trabalhando com empresas privadas e públicas, órgãos públicos, agências de fomento, agências nacionais e internacionais. A internacionalização da POLI a torna reconhecida pela sua capacidade pelos países desenvolvidos, com intercâmbio de alunos, onde temos mais de 5000 intercâmbios realizados, ora de duplo-diploma (diploma da POLI e de outro país), ora de aperfeiçoamento de estudos. Temos cursos de pós-graduação conjuntos com instituições de 1ª grandeza como com o Imperial College de Londres. Temos numerosas pesquisas feitas com Universidades e Instituições brasileiras, como estrangeiras.
O que as empresas do setor energético precisam mudar hoje em dia?
O setor energético elétrico brasileiro é dominado pela área de hidrelétricas, termelétricas, eólica, biomassa e solar. Já é uma matriz elétrica baseada em mais de 80% de energias renováveis. A tendência é o crescimento das fontes renováveis eólica e solar. A parte disso, ainda existe um grande potencial de crescimento na fonte de biomassa baseada na cana de açúcar, mas existe uma oportunidade de geração a partir dos RSU (resíduos sólidos urbanos). Os RSU são um grande problema de saúde e ambiental que pode ser solucionado com o emprego de métodos do aproveitamento energético.
A legislação do setor elétrico brasileiro prevê recursos significativos para a pesquisa no setor, o entrave, hoje, encontra-se na forma de como tais recursos são disponibilizados. Prazos são curtos, certamente a pandemia prejudicou também, os setores de gestão das empresas não priorizam ações de fundo, a pesquisa precisa subir na escala do rol de preocupações de gestão. A atual crise do setor energético é um exemplo. O setor elétrico sofreu transformações estruturais significativas e os modelos que o representam não evoluíram na mesma velocidade.
As empresas do setor energético precisam ter metas ousadas para descarbonizar a sua própria produção e, a seguir, metas para zerar o balanço liquido de emissões (pegada de carbono) dos combustíveis vendidos aos consumidores.
Como vocês, profissionais acadêmicos, analisam o mercado e suas tendências?
A área de energias renováveis está em plena expansão gerando milhares de empregos. Esses empregos têm sido gerados não só nas grandes centrais geradoras que têm se espalhado pelo país, como também para pequenos e médios geradores dentro do conceito de Geração Distribuída. Esse setor tem estimulado o crescimento de muitas pequenas empresas de instalação e prestação de serviços de energia solar fotovoltaica. Energia é o vetor fundamental de evolução das sociedades.
A demanda por energia será sempre crescente: existe demanda reprimida no Brasil. É essencial investir em eficiência, mas é necessário ter um programa e planejamento para tanto. Fora pequenos suspiros isolados, não existe programa ou planejamento. Curiosamente, tem-se recursos previstos em lei e reservados nas tarifas de energia. Só no setor de distribuição, tomando como base o histórico pré-pandêmico, o setor de distribuição teria perto de 1 bilhão/ano de reais para investir em pesquisa. O Brasil tem uma oportunidade única para liderar mundialmente o processo de transição energética que devermos ter nas próximas décadas.
O desenvolvimento de tecnologias disruptivas em BECCS poderá fazer com que o etanol produzido no Brasil tenha pegada de emissões de CO2 ligeiramente negativa. A aplicação do Hidrogel com Ácido Oxálico aumentará a produtividade de plantações e projetos de reflorestamento. Esses são alguns dos exemplos de oportunidades do mercado. Deve-se ressaltar, no entanto, que somente seremos capazes de liderar esse processo de transição energética se conseguirmos atrair elevados investimentos públicos e privados em projetos de pesquisa e inovação. Os investimentos privados devem ser somados aos investimentos públicos e não meramente substituí-los.
Pensando agora em energias renováveis, o que existe de mais moderno na engenharia para esse setor?
A geração solar fotovoltaica já está bem estabelecida com painéis fixos. Existe muito desenvolvimento de filmes fotovoltaicos mais flexíveis. Dadas as características de intermitência das energias renováveis solar e fotovoltaica, muito esforço tem sido dedicado para o desenvolvimento de técnicas eficientes e economicamente vantajosas de acúmulo de energia.
As baterias elétricas constituem a face mais visível dessa tendência, mas existem também grande esforço no desenvolvimento de armazenamento químico, como a produção de gás hidrogênio. O gás hidrogênio pode ser produzido por meio de eletrólise durante os períodos de excesso de geração elétrica e armazenado para ser consumido em horários de pico por meio de células a combustível. Isso pode ocorrer em pequena ou grande escala. No Brasil o que existe de mais moderno e desafiador é a alta possibilidade de integração de diferentes fontes energéticas e de flexibilidade de opções para o consumidor. Basicamente a maior participação social na produção de energia elétrica com a inserção consistente da Geração Distribuída. O Etanol produzido com a captura e utilização do carbono (BECCS) poderá tornar esse biocombustível negativo no que tange às emissões de carbono.
O Brasil poderá liderar mundialmente essa tecnologia. O carbono capturado, juntamente com hidrogênio produzido a partir da vinhaça e energia solar, permitirá a produção de combustíveis líquidos sintéticos que poderão revolucionar o transporte aéreo e marítimo. Outros temas envolvem o Hidrogel para aplicação em agricultura e reflorestamento, o qual tornará a agricultura brasileira menos dependente de energia e água.
Existe mais algum ponto que gostaria de destacar? Fique à vontade.
O Brasil se desponta como uma das nações que possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. De forma a que é uma nação-exemplo para o mundo. Não obstante, ainda tem promovido a expansão do setor. A biomassa, sobretudo a cana-de-açucar, é um energético de excelência, pois não só produz um combustível automotivo (etanol), como energia elétrica por meio da Cogeração, isto é, produção de vapor de água pela queima do bagaço de cana para tanto alimentar o processo de produção de açúcar e álcool, como para gerar energia elétrica.
A biomassa possui um balanço praticamente nulo do ciclo do carbono. Devemos procurar encontrar mecanismos para alavancarmos os investimentos privados em projetos de pesquisa e inovação. Isso sempre tendo em mente que tais investimentos deverão ocorrer sem ter como meta a substituições dos investimentos públicos. Os investimentos privados devem ser somados a investimentos públicos. Projetos de pesquisa e inovação devem ter uma clara vinculação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Centros de Pesquisa e Engenharia, envolvendo agências públicas de fomento e grandes empresas, devem ser fortemente incentivados.