Faltando apenas quatro semanas para a 28ª Conferência das Partes (COP28), a comunidade internacional se empenha para participar de um evento memorável – afinal, essa será a primeira vez que realizamos o Balanço Global de Carbono (Global Stocktake), previsto pelo Acordo de Paris.
Esse processo é realizado a cada cinco anos, começando agora, com o objetivo de avaliar o progresso global na redução de emissões de gases de efeito estufa, a nossa resiliência perante a crise climática e a disponibilidade de financiamento para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C.
Em setembro, foi lançado o Relatório Síntese do Balanço Global, apresentando resultados alarmantes que evidenciam o distanciamento em relação a essa meta.
Embora esteja previsto que o Global Stocktake será o foco central da COP28, o setor energético volta a ganhar destaque, uma vez que a conferência será realizada nos Emirados Árabes Unidos, país líder na produção global de petróleo.
De um lado, a sociedade civil e ativistas climáticos se opõem a realização de uma COP nos Emirados Árabes, e ainda por cima, presidida pelo sultão Al-Jaber, CEO da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (Abu Dhabi National Oil Company, ADNOC).
A mídia vem enfatizando a controvérsia em torno desta COP, destacando esses fatores, bem como os lucros históricos recentemente registrados pelo setor de óleo e gás.
Segundo Al Gore, ex-Vice Presidente americano e fundador do The Climate Reality Project, houve um aumento significativo no número de lobistas da indústria de óleo e gás, uma tendência que vem sendo observada desde a COP25 em Madri.
Em 2019, haviam cerca de 340 lobistas, um número que aumentou para 503 em Glasgow, na COP26, e atingiu 636 na última COP no Egito.
Ele enfatiza que esse número é maior do que a delegação combinada dos dez países mais impactados pela mudança climática.
No último mês, a cidade de Nova Iorque realizou a Semana de Clima, um evento anual que reúne líderes globais para discutir e promover ações relacionadas à mudança climática.
Através da minha participação em 17 eventos ao longo desta semana, alguns temas se sobressaíram e tendem a continuar sendo o foco das discussões durante a COP 28:
- Redução dos combustíveis fósseis: phase down ou phase out.
A mudança de última hora no acordo final da COP26, que substituiu a “eliminação” (phase-out) do carvão por “redução” (phase-down), foi um momento frustrante para os defensores da transição energética.
“Se quisermos fazer a transição com sucesso para o sistema energético de amanhã, não podemos simplesmente desconectar do sistema energético de hoje“, argumentou o Sultão Al-Jaber, atual presidente da COP28, em 2021.
Dessa vez, além do debate sobre o uso de carvão para geração de energia, também teremos mais negociações centradas na “eliminação” ou “redução” do uso de combustíveis fósseis como um todo.
Nas últimas semanas, os 27 líderes da União Europeia (UE) tiveram dificuldades para alcançar um consenso sobre sua posição para a COP28 em relação à eliminação completa ou redução de combustíveis fósseis.
O resultado foi que apoiarão a eliminação apenas dos combustíveis fósseis “não reduzidos” ou unabated, permitindo que países continuarem a queimar carvão, gás e petróleo caso utilizem tecnologias para reduzir emissões, como CCUS.
Esse tema promete ser uma questão central nas negociações entre países membros da UNFCCC, e com o poder de influência que a UE possui nesses espaços, é pouco provável que seja aprovado um acordo mais ambicioso que esse, ou que defenda a eliminação completa de combustíveis fósseis.
- Just Energy Transition Partnership (JETP)
Também estabelecida na COP26, a Parceria por uma Transição Energética Justa (Just Energy Transition Partnership – JETP) é uma iniciativa que visa acelerar a transição energética limpa, especialmente em países altamente dependentes em carvão, através de mecanismos financeiros que consideram o bem-estar das populações mais afetadas.
Em 2021, África do Sul, Indonésia e Vietnã anunciaram seus JETPs. Após quase dois anos, a Indonésia planeja anunciar na COP28 seu plano de investimento de 20 bilhões de dólares para descarbonizar o setor energético, e a África do Sul seguirá uma estratégia semelhante, anunciando também seu plano de 8,5 bilhões de dólares em Dubai.
Em março desse ano, o grupo de doadores por trás dos JETPs incluía o International Partners Group (IGP), composto pelos governos do Japão, Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Noruega, União Europeia e Reino Unido, bem como o Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), integrado por bancos multilaterais, bilaterais, e agências financeiras como o HSBC e o Citi Bank.
O financiamento é feito através de recursos concessionais, não-concessionais e outros investimentos, mas em casos como o da África do Sul, cerca de 97% dos recursos anunciados serão fornecidos através de empréstimos.
Em um cenário marcado por várias crises globais que afetaram profundamente os mercados emergentes, a perspectiva de aumentar ainda mais o endividamento de países africanos torna os JETPs menos atraentes, especialmente em economias centradas no carvão.
Apesar de alguns pontos de tensão, outros países buscam criar seu próprio JETP com apoio dos financiadores mencionados.
Essa questão certamente ganhará destaque na COP28, sobretudo no contexto das discussões relacionadas à reforma dos bancos multilaterais e seus mecanismos para financiamento climático.
- Triplicar as renováveis até 2030
Durante a Semana do Clima em Nova Iorque, diversos atores-chave do cenário internacional na área de energia assinaram uma carta aberta que defende triplicar a capacidade instalada de energias renováveis até 2030.
A Global Renewables Alliance (GRE) lidera essa campanha através de suas mais de 250 organizações associadas, pressionando líderes globais a se comprometam com a meta de triplicar a nossa capacidade instalada em pelo menos 11,000 GW nos próximos sete anos.
Esse movimento está ganhando muita visibilidade internacional e apoio de importantes organizações para o setor como Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA), o que indica que a questão será de grande relevância no engajamento de empresas e sociedade civil com governos internacionais durante a COP.
Cabe ressaltar que a oportunidade de apoiar esta campanha e ter a logomarca de sua organização incluída na carta oficial que será celebrada durante a COP28 ainda está disponível! Você pode apoiar a campanha através deste link.
Além disso a GRE terá uma presença significativa em Dubai, contando com um pavilhão que reúne as organizações fundadoras da aliança e mais importantes tecnologias para a transição, incluindo o Global Wind Energy Council, Global Solar Council, International Hydropower Association, Long Duration Energy Storage Council, Green Hydrogen Organization e International Geothermal Association.
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Eduarda Zoghbi é cientista política pela Universidade de Brasília e mestre em administração pública e política energética pela Universidade de Columbia. Possui experiência profissional nas áreas de energia, mudança climática e gênero, tendo trabalhado em diversas organizações internacionais como: ONU, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Eduarda já recebeu os prêmios REvolutionaries, Global Youth Visionary, Environmental Education 30 Under 30 e faz parte do programa Women Leaders in Energy Fellowship do Atlantic Council. Hoje está liderando a expansão do programa Women In Energy da Universidade de Columbia para o Brasil.