Os navios são hoje a oitava maior fonte de emissão de CO2 no mundo e a meta da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) é reduzir até 2050 essas emissões em pelo menos 50% em relação a 2008.
De olho nessa questão, um pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) buscou alternativas para melhorar a eficiência energética de embarcações da indústria de petróleo e gás. Uma delas conseguiu uma redução de cerca de 10% tanto de CO2 como de combustível. O estudo acaba de ser publicado na prestigiada Energies, revista científica internacional voltada à área de energia elétrica.
“O esquema proposto considera a adaptação do navio. Os geradores principais, originais da embarcação, são mantidos, mas, além disso, lançamos mão de fontes complementares de energia: geradores auxiliares, baterias e célula a combustível”, explica o engenheiro eletricista paulista Giovani Giulio Tristão Thibes Vieira, primeiro autor do artigo. “O principal objetivo do trabalho foi analisar qual é a configuração ideal do sistema de energia de um navio, levando em conta o uso de três tipos de baterias e células a combustível com tanques de hidrogênio de diferentes tamanhos. Em busca dessas respostas, avaliamos todas as possibilidades de combinação entre elas”.
Melhor combinação
O melhor resultado apresentado foi a combinação que reúne geradores principais e auxiliares, bem como uma bateria de lítio, óxido, níquel, manganês e cobalto com capacidade de 3.119 quilowatts-hora (kWh), além de uma unidade de célula a combustível do tipo membrana de troca de prótons (PEMFC) e tanque com capacidade de armazenar 581 quilos de hidrogênio.
Como se sabe, na célula a combustível o hidrogênio reage com o oxigênio que vem do ambiente. A energia liberada transforma-se em corrente elétrica que alimenta a embarcação e o processo gera como resíduo apenas calor e água pura.
“Essa combinação proporcionou o resultado mais significativo que obtivemos na pesquisa: ela reduziu as emissões de CO2 em 10,69%”, comemora Vieira. “Além disso, a diminuição das emissões também representa uma redução da mesma ordem no consumo de combustível”.
O artigo é resultado do doutorado que Vieira realiza desde 2018 na Poli-USP. Por sua vez, o doutorado é desdobramento de seu mestrado (Análise de alimentação híbrida para propulsão de navios usando sistemas de armazenamento de energia), defendido pelo pesquisador naquele ano, na mesma instituição.
O estudo foi realizado no âmbito do projeto Sistema de Energia Híbrida para Navios, que esteve em curso entre 2016 e 2020 na primeira fase dos programas do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), financiado pela Shell do Brasil e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“A passagem pelo RCGI foi essencial para fundamentar minha pesquisa. Meu mestrado tratou da parte elétrica do navio. No doutorado, migrei para a parte energética. Agora, os integrantes do grupo formado no RCGI prosseguem seus estudos na área, mas de forma independente do centro de pesquisa”, afirma Vieira.
O estudo foi realizado por meio do software Homer e foi focado na análise da performance de um navio de abastecimento de plataforma (ou PSV, sigla em inglês para Platform Supply Vessel). Trata-se de um tipo de embarcação utilizada como apoio às plataformas offshore de petróleo e gás.
No caso, essas embarcações costumam transportar mercadorias e equipamentos para alto-mar. “Na pesquisa estabelecemos o seguinte trajeto: o navio sai do porto carregado e segue rumo à plataforma. Lá descarrega a carga em uma operação chamada DP e retorna ao porto mais leve. Assim, conseguimos analisar as diferentes demandas de energia ao longo da operação”, relata.
A curva de tempo que o navio precisa para cumprir esse trajeto foi baseada nos dados de uma outra dissertação de mestrado (Uma metodologia para selecionar o sistema de propulsão elétrico para navios de apoio a plataformas), realizada por Cristian Andrés Morales Vásquez, também na Poli-USP. “Fizemos essa curva baseada no número de horas por tempo de operação em que o navio permanece em cada etapa da missão”, prossegue o pesquisador.
Tema em voga
Formas de reduzir emissões de CO2 por embarcações é um tema em voga no mundo, como ressalta o pesquisador, que atualmente cumpre temporada de estudo na Universidade Aalborg, na Dinamarca. O convite veio graças a um artigo que escreveu em 2019 para o projeto Sistema de Energia Híbrida para Navios, do RCGI, coordenado pelo professor Bruno Souza Carmo, da Poli-USP.
“O interesse por essa temática vem crescendo em nível mundial desde o final dos anos 2000. Em 2008 o IMO tomou a decisão de reduzir o limite global de emissões de óxido de enxofre, resultado da queima de combustível, por parte da frota mercante mundial. Mais tarde, a normativa IMO 2020 estabeleceu que o limite de enxofre no combustível dos navios caísse de 3,5% para 0,5%. Em zonas designadas de controle de emissões, como mar Báltico e Estados Unidos, o limite já é de 0,1%”, conta Vieira.
Uma solução de curto prazo para que os navios se adaptem às baixas emissões de CO2 é lançar mão do retrofit. De acordo com o pesquisador, já existem empresas no mundo que produzem um tipo de container que abriga packs de bateria com seu sistema de gerenciamento e proteção, bem como conversores.
“Além disso, esse container tem sua temperatura interna controlada. É uma solução pronta para ser instalada nos navios”, constata Vieira. Ainda segundo o estudioso, pesquisas apontam que 50% dos navios em atividade hoje no mundo vão continuar operando até 2030. “Nós, pesquisadores, precisamos pensar em soluções de curto prazo para que essas embarcações se adaptem a uma nova realidade e reduzam as emissões de CO2. Esse estudo ilumina algumas possibilidades”, diz Vieira.
O pesquisador estima que o uso de baterias pode ser uma solução a curto prazo, pois a célula a combustível, por ser relativamente nova, é uma tecnologia pouco acessível do ponto de vista econômico. Por isso, além da questão da emissão, o estudo também se deteve na duração da bateria.
“As baterias ajudam a reduzir as emissões em dois momentos. Elas descarregam quando a demanda é baixa e substituem os geradores principais na hora em que eles iriam operar num ponto de menor eficiência. Depois, essas baterias são carregadas para funcionar como carga e elevam o fator de carga do gerador, o que, geralmente, leva a um melhor ponto de eficiência”, explica Vieira. Entretanto, o processo de carregar e descarregar provoca desgaste na bateria. “Uma bateria com mais ciclos de carga e descarga tem uma vida útil menor, e isso apresenta um impacto financeiro que precisa ser avaliado”, finaliza.