O processo de Transição Energética, centrado na crescente preocupação com as mudanças climáticas, busca a transformação das matrizes globais, que atualmente são predominantemente baseadas em fontes fósseis, para aquelas de baixo teor de carbono.
O objetivo almejado e necessário para enfrentar os impactos do aquecimento global é alcançar a neutralidade de emissões poluentes.
Nessa perspectiva, é imprescindível que a geração de eletricidade seja limpa e provenha de fontes renováveis.
Para as próximas décadas, estima-se que haverá uma significativa penetração das fontes eólica e solar, que são caracterizadas pela alta variabilidade, sazonalidade e incertezas.
Os cenários prospectivos identificados pela International Energy Agency (IEA) apontam que a adição de 1000 GW de capacidade de geração renovável até 2030 resultará, inexoravelmente, na redução da geração proveniente de fontes fósseis.
De outra feita, porém, a geração de energia será mais intermitente – é dizer: haverá uma redução da geração controlável proveniente das fontes fósseis, que atualmente fornecem flexibilidade e segurança operacional em muitos sistemas elétricos.
Essa mudança na contribuição de cada fonte de energia para atender à demanda elétrica traz desafios complexos para o planejamento e a operação dos sistemas, tornando recursos de flexibilidade que não envolvam despachabilidade central, como o armazenamento de energia, cada vez mais essenciais.
Nesse contexto, as usinas hidrelétricas reversíveis (UHRs) e as baterias têm um papel crucial, pois são capazes de armazenar energia e fornecê-la conforme a necessidade de aproveitamento/utilização.
Todavia, para viabilizar financeiramente os recursos de armazenamento de energia, é fundamental que a regulação técnico-econômica do setor estabeleça um ambiente de competição legítimo, que favoreça a oferta dos diversos serviços necessários para um ecossistema elétrico com alta participação de fontes renováveis variáveis – especialmente no que tange ao atendimento do lastro de potência.
Portanto, nos cabe hoje exaltar modelos de negócio que estimulem os acionistas, bancos, empresas e agentes financeiros a aprofundarem o exame das oportunidades de mercado relacionadas aos sistemas de armazenamento de energia por baterias (BESS – Battery energy storage systems, na sigla em inglês).
Didaticamente, como o armazenamento pode favorecer os consumidores? Vamos exemplos práticos:
Backup de energia
Em algumas regiões do país, clientes de energia sofrem com elevado índice de interrupções e oscilações.
A depender da tipologia, algumas destas nem entram nas estatísticas oficiais de fiscalização de qualidade das concessionárias de distribuição.
Portanto, é inegável que existe uma necessidade de melhoria de serviços. Os sistemas de armazenamento certamente melhorarão a vida dos consumidores de energia elétrica que ficam, no Brasil, em média 14 horas por ano sem o fornecimento do insumo. Aí está um aceno de oportunidade ao mercado.
“Cut off” de demanda contratada ou “peak shaving”
A redução da demanda contratada pode trazer economias significativas aos consumidores com curtos intervalos de pico e de carga.
Estes, por serem menores, podem ser atendidos tranquilamente pelos sistemas de armazenamento, de modo a permitir reduções na conta de energia.
Essa modalidade não costuma se adequar bem, entretanto, aos consumidores com picos duradouros ou com demanda média próxima à contratada (fator de carga elevado).
Ao contrário, os consumidores que frequentemente são multados por ultrapassagem da demanda também podem ser beneficiados.
Quanto maior a tarifa de demanda, maior a atratividade de sistema de armazenamento para essa aplicação, por óbvio.
Redução no consumo de hora-ponta
O que nos atina como benefício mais óbvio é este caso. Pode-se dizer que o racional aqui aplicável é o mesmo da “resposta da demanda”, pela qual se dá o gerenciamento em função de necessidades sistêmicas.
Basta lembrarmos que algumas distribuidoras de energia possuem uma diferença muito elevada entre o preço da energia na ponta e na fora ponta. E quanto maior essa diferença, maior a economia que se pode obter.
Consumidores podem armazenar energia no horário de fora ponta, quando ela está mais barata, e consumir no horário de ponta, quando está mais custosa.
Assim, durante período de 4h às 9h, as baterias são carregadas. Das 17h às 20h, descarrega-se as baterias em vez de comprar do grid, já que o estoque foi realizado previamente.
Por fim, vale ratificar que, ao explorarmos fontes renováveis e tecnologias limpas, reafirmamos nosso compromisso mais equilibrado e saudável para as gerações vindouras.
Cada escolha sustentável que fazemos hoje é um passo significativo em direção ao setor elétrico que almejamos.
A inovação, em comunhão com a cooperação, é que construirá um futuro energizado, erguido, entre outros, pelo pelo pilar da sustentabilidade.
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Advogado com 20 anos de experiência no setor elétrico, Daniel tem especialização em Business Law e Direito de Energia. Professor convidado na FIA Business School – USP para o módulo de “Legislação do Setor Elétrico” no Curso de Gestão de Ativos de Energia e Ex-gestor regulatório de multinacionais de energia.