Yuri Schmitke, Presidente Executivo da ABREN: a importância da Recuperação Energética de Resíduos para o Brasil

“Para cada R$ 1,00 investido em recuperação energética, deixa-se de gastar R$ 2,00 no meio ambiente e R$ 1,00 na saúde pública”

A proposta do segmento de Recuperação Energética de Resíduos é justamente gerar energia a partir de diversos materiais descartados e, assim, oferecer uma proposta energética sustentável, limpa e eficiente. 

Nos últimos anos, empresas e associações, como a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (ABREN), têm batalhado para fazer o segmento ganhar mais visibilidade e se tornar um grande destaque na matriz energética brasileira, como acontece em tantos países da Europa, por exemplo.

Em entrevista exclusiva, Yuri Schmitke, Presidente Executivo da ABREN, fala sobre a importância da Recuperação Energética de Resíduos para o Brasil, o trabalho realizado no último ano e as expectativas do segmento para 2023. 

1 – Atualmente, qual o papel da Recuperação Energética de Resíduos na matriz energética?

A recuperação energética de resíduos garante o suprimento de energia termoelétrica 24 horas por dia, sete dias por semana, com apenas uma semana de parada programada para manutenção por ano, totalizando até 8.500 horas/ano. São usinas que operam na base e garantem confiabilidade e estabilidade ao sistema elétrico, mediante fornecimento de capacidade ao sistema.

Além disso, são as térmicas mais limpas existentes e podem ser construídas nos centros urbanos, como é o caso de Paris, na França.

A cidade conta com três usinas desse tipo no centro da cidade e que fornecem o aquecimento de toda a população local, evitando a emissão de quantidades enormes de gases de efeito estufa. 

As usinas de recuperação energética também não possuem problemas de volatilidade ou disponibilidade do combustível, como ocorre com o gás natural ou outros insumos atualmente, pois a geração do lixo urbano é abundante e cresce a cada ano no Brasil.

2 – De que formas uma gestão mais sustentável de resíduos pode auxiliar a governança ambiental na Recuperação Energética de Resíduos?

A recuperação energética de resíduos trabalha com a destruição térmica de até 99% do volume do resíduo urbano, reduzindo drasticamente a necessidade de utilização dos aterros sanitários e os utilizando apenas para receber os rejeitos. 

Vale ressaltar que o 5º Relatório do IPCC (Painel Climático da ONU de 2011) aponta que as usinas de recuperação energética reduzem em até oito vezes as emissões de gases de efeito estufa. 

Trata-se de uma tendência mundial irreversível para a destinação final da fração não reciclável do lixo urbano. Hoje, existem cerca de 2.500 usinas de recuperação energética em todo o mundo, sendo 520 na Europa e 78 nos Estados Unidos.

Além disso, muitos países já não utilizam aterros sanitários, alguns até proíbem essa prática, como Alemanha, Áustria, Suíça, Bélgica, Finlândia, Suécia, Países Baixos, Japão e Singapura.

3 – Quais foram as principais dificuldades enfrentadas pelo setor no último ano?

Tivemos uma baixa contratação de usinas de recuperação energética em 2021 no Leilão A-5. Apenas a usina de Barueri foi contratada, mas tivemos um cadastramento de 375 MW de potência instalada.

Esperamos que os próximos projetos estejam em melhor conformidade para atender aos requisitos dos leilões de energia nova, assim como esperamos que o Ministério de Minas e Energia aloque mais demanda para a nossa fonte, que além de gerar energia, evita custos socioambientais.

Vale ressaltar que, para cada R$ 1,00 investido em recuperação energética, deixa-se de gastar R$ 2,00 no meio ambiente e R$ 1,00 na saúde pública. São questões de Estado que devem ser endereçadas para além da necessidade energética, e o Governo Federal precisa compreender isso.

Ressaltamos também a atuação da ABREN nas consultas públicas que envolveram a edição e implementação da Resolução SIMA nº 63/2021, da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, atual SIMA nº 145/2022. Na época, ela trouxe impedimento para recuperação de energia de alguns resíduos industriais para a atividade de preparo de combustível derivado de resíduos (CDR). 

O Governo Federal editou a Resolução CONAMA nº 499/2021 para disciplinar o assunto, porém o Estado de São Paulo agiu de forma mais restritiva, e hoje ainda traz impedimento para a utilização de lodo de esgoto, solo contaminado com hidrocarboneto e embalagens de agrotóxicos para o coprocessamento, sendo que a nível federal isso é permitido.

A ABREN entende que esse assunto precisa ser aprimorado no Estado de São Paulo, tendo em vista os problemas ambientais que estes resíduos podem vir a causar caso sejam mal gerenciados.

4 – Quais os principais destaques para a Recuperação Energética de Resíduos nos últimos anos?

Em 2021, por exemplo, foi editado o Decreto nº 11.044/2022, que institui o Certificado de Crédito de Reciclagem, denominado Recicla +, possibilitando aos produtores de combustível derivado de resíduos (CDR) e às usinas de combustão o recebimento de créditos de reciclagem dos geradores de resíduos inseridos no âmbito das obrigações da logística reversa. 

Essa norma trará maior viabilidade às usinas de blendagem de CDR, coprocessamento e recuperação energética para receberem os créditos vinculados aos resíduos não recicláveis, contribuindo assim para a economia circular ao desviar estes recursos energéticos dos aterros.

5 – A contratação da primeira usina de Recuperação Energética de Resíduos no Brasil, aconteceu recentemente, com a URE Barueri. Qual a importância dessa instalação e o que ela significa para o futuro do setor?

Esse fato faz com que a URE Barueri traga um marco histórico de suma importância para o setor. Ela vendeu 12 MW de potência instalada no Leilão A-5 de 2021, no preço de R$ 549,00/MWh, já possui licença de instalação e suas obras estão em andamento, com previsão de entrar em operação comercial no primeiro semestre de 2025.

No entanto, apenas um projeto não irá criar um mercado de recuperação energética de resíduos no Brasil. A ABREN defende que o Governo Federal contrate mais 10 projetos com o preço teto de R$ 650,00/MWh, nos próximos dois anos, o que irá incentivar a criação de uma cadeia de fabricação e fornecimento de máquinas e equipamentos nacionais. Isso pode reduzir o custo em até 20% do que temos hoje, tornando-se a fonte mais competitiva com as demais termoelétricas.

6 – E que tipo de projeto seria ideal na visão da Associação?

Um leilão, que é restrito para usinas de recuperação energética de resíduos (URE), que são usinas termoelétricas que operam pela destruição térmica por meio da combustão para geração de energia elétrica ou térmica, seria ideal.

Essa é a tecnologia dominante para tratamento de resíduos em todo o mundo, utilizado em 11% dos resíduos sólidos urbanos a nível global, 25% na União Europeia e mais de 40% em países nórdicos (Áustria, Alemanha, Suíça, Bélgica, Países Baixos e Finlândia), 70% no Japão e 12% nos Estados Unidos, que por meio dessa tecnologia conseguem reduzir a dependência de aterros sanitários.

O produto biogás – seja proveniente de: aterro sanitário, biodigestão anaeróbica da fração orgânica de resíduo sólido urbano ou resíduos do setor agropecuário – teve preço-teto específico no leilão, não competindo com resíduos sólidos urbanos (RSU). Isso oferece novas possibilidades. 

7 – De que formas o Brasil pode investir mais em Recuperação Energética?

A ABREN elaborou o texto base do PL 924/2022, de autoria dos Deputados Federais Geninho Zuliani e Danilo Forte, que cria o Programa Nacional da Recuperação Energética (PNRE).

O texto do PNRE complementa as diretrizes nacionais e promove o incentivo à recuperação energética da fração não reciclável dos resíduos sólidos, além de incentivar, financiar e promover a estruturação de processos licitatórios para concessões municipais de manejo de resíduos.

O Programa, que contou com o apoio técnico da ABREN, tem por objetivo ampliar a geração de energia limpa e renovável por meio de resíduos sólidos na matriz energética; ampliar e garantir a participação de cooperativas de catadores de recicláveis em projetos de recuperação energética de resíduos; buscar cooperação com o setor privado; e um financiamento para viabilizar projetos de recuperação energética de resíduos.

Destaca-se também o propósito de desenvolver critérios técnicos para avaliar a redução de emissões de gases de efeito estufa e a respectiva precificação dos créditos de carbono das usinas de recuperação energética de resíduos sólidos, além de fomentar a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nacionais de recuperação energética de resíduos sólidos. 

8 – Quais são os possíveis pontos negativos do Programa Nacional da Recuperação Energética de Resíduos?

Não existem pontos negativos na redação do Programa Nacional da Recuperação Energética de Resíduos Sólidos. No entanto, é importante haver uma obrigação mínima anual de contratação das usinas de recuperação energética de resíduos, de modo a garantir a sustentabilidade deste mercado que está sendo criado no Brasil, e isso precisará ser mais discutido no âmbito do processo legislativo.

9 – E o que podemos esperar do setor de Recuperação Energética de Resíduos em 2023?

A destinação dos resíduos tem sido um desafio constante para diversos países e, no mundo moderno, tem ganhado espaço com a inserção de tecnologias e estratégias para evitar ao máximo o aterramento, especialmente em razão das práticas atuais de consumo e a geração de quantidades monumentais de resíduos todos os dias.

A criação do Programa Nacional da Recuperação Energética de Resíduos trará importante contribuição para que o Brasil possa evoluir nesse quesito.

As medidas elencadas pelo PL trarão redução do dano à saúde pública e ao meio ambiente por meio da adoção de tecnologias de recuperação energética de resíduos, além de utilizar as melhores práticas de gestão sustentável e integrada de resíduos em todo o território nacional, ao se avaliar as melhores tecnologias disponíveis e adequadas às realidades locais e regionais.

Espera-se poder aprovar ainda em 2023 o PL 924/2022, que seguirá primeiro para aprovação na Câmara dos Deputados e, posteriormente, no Senado.

A ABREN também julga importante a regulamentação de incentivo à recuperação energética pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), assim como pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o que irá trazer maior segurança jurídica e criar um ambiente de negócios favorável no Brasil nesse novo setor.

10 – De que formas o Ministério de Minas e Energia pode auxiliar o setor de recuperação energética nos próximos quatro anos?

O MME poderá auxiliar o setor de recuperação energética nos próximos quatro anos por meio da inclusão do produto RSU, que se refere às usinas de recuperação energética de resíduos, em leilões de capacidade, reserva e energia nova, alocando quantidade suficiente para o atendimento do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES), que prevê uma contratação média de 55 MW de potência instalada por ano, conforme exposto.

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