Está sendo enviada pelo governo federal, nesta semana, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ao Congresso relacionada à uma nova política de combustíveis. A PEC em estudo autoriza ao chefe de governo federal (o Presidente) e aos chefes de governo estaduais (os governadores) a reduzir — e mesmo zerar – os impostos que recaem sobre os combustíveis, tais como gasolina e diesel, por exemplo [1].
Quando esta PEC chegar ao Congresso Nacional, após o fim do recesso parlamentar, a partir de 01/02, encontrará em tramitação em estágio avançado o Projeto de Lei n° 1472, de 2021, de Sem. Rogério Carvalho (PT/SE) e relatoria do Sen. Jean Paul Prates (PT/RN).
O PL n° 1472/2021 já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal em 07/12/20212 e encontra-se pronta para ir ao Plenário da Casa, aguardando apenas inclusão na ordem do dia. Vamos fazer uma análise de ambas as propostas com um pouco mais de detalhamento. Há aspectos similares entre as duas propostas.
A PEC dos Combustíveis a ser enviada pelo Chefe do Executivo federal autorizaria o Presidente da República e os Governadores a diminuir ou zerar os impostos incidentes sobre os combustíveis (diesel, gasolina e álcool), bem como da energia elétrica e gás de cozinha sem a necessidade de indicar fontes alternativas de recursos. [2]
A proposta do Chefe do Executivo Federal também propusera, inicialmente, um Fundo de Estabilização para a gasolina, mas foi retirado do texto.
A gasolina também entrou no limbo, podendo haver uma redução provisória de tributos, mas ficou descartada uma eliminação completa dos impostos que recaem sobre esse combustível. Dessa forma, a PEC dos Combustíveis a ser enviada acabou por concentrar-se no preço do diesel, a fim de facilitar a aprovação da matéria.
O Governo Federal teve que enviar a sua proposta no formato de PEC por estabelecer a eliminação de impostos sobre os combustíveis sem apresentar uma fonte alternativa de arrecadação, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Uma PEC dispensaria a apresentação de fonte alternativa de recursos, pois a PEC se sobrepõe à Lei de Responsabilidade Fiscal. Já o PL n°. 1472/2021 propõe linhas gerais de uma nova política de preços sobre os combustíveis, aí incluídos o diesel, gasolina e gás liquefeito de petróleo — GLP.
Além disso, propõe um Fundo de Estabilização dos preços de combustíveis e estabelece um imposto de exportação sobre o petróleo bruto.
O PL 1472/2021 estabelece que os preços internos dos combustíveis passarão a ter como parâmetro não apenas as cotações praticadas no mercado internacional, mas igualmente os custos internos de produção e os custos da importação.
O PL 1472/2021 determina ainda alíquotas progressivas do Imposto de Exportação sobre o petróleo bruto a fim de financiar o Fundo de Estabilização que teria como função maior evitar oscilações bruscas nos preços domésticos dos combustíveis.
Nota-se que a PL 1472/2021 acabou se tornando mais abrangente do que a proposta a ser enviada pelo Palácio do Planalto em função da retirada de alguns itens que faziam parte originalmente da matéria por diferentes motivos.
O Fundo de Estabilização foi retirado da proposta pelo tempo que levaria para sua constituição, pelos custos operacionais e pelos valores que ele envolveria, sem garantia de resultados.
Ou seja, levaria muito tempo para o Fundo de Estabilização funcionar e mostrar para que veio. Já a gasolina foi retirada da proposta do PEC dos Combustíveis pelo impacto orçamentário previsto.
Estudos do Ministério da Economia estimam que zerar os impostos federais incidentes sobre a gasolina, o diesel, e o gás de cozinha levaria a uma renúncia tributária no valor de R$ 75,0 bilhões e sem apontar para uma fonte alternativa de arrecadação.
Já a isenção dos impostos incidentes sobre o diesel acarretaria uma perda de arrecadação de apenas R$ 20,0 bilhões, mais administrável pelo governo federal.
Integrantes do Ministério da Economia sustentam que o diesel atinge mais a classe trabalhadora (pelos preços nas tarifas de ônibus) e tem um impacto inflacionário maior, por repercutir nos preços dos fretes realizados por via terrestre, que se baseiam fortemente no transporte rodoviário e no diesel.
Já a gasolina teria um impacto maior sobre a classe média que usa automóveis particulares. De qualquer forma, restou na proposta do Palácio do Planalto um aspecto controverso.
Ao autorizar os chefes dos governos estaduais a redução ou eliminação de impostos incidentes sobre os combustíveis (essencialmente, o ICMS), a PEC dos Combustíveis entra em uma queda de braço com os governadores, o que poderia resultar no atraso ou mesmo na não aprovação da proposta federal em um ano eleitoral, quando os projetos de lei e, ainda mais as PECs, tramitam com mais vagar.
Os governos estaduais preferem o PL n° 1472/2021 por permitir que cada estado adeque a redução dos impostos estaduais (como o ICMS) a sua capacidade de arrecadação e a sua disponibilidade orçamentária.
Os chefes dos executivos estaduais argumentam que caso zerassem os impostos sobre os combustíveis teriam uma perda tributária da ordem de R$ 27,0 bilhões sem ter como apresentar uma alternativa a tempo de compensá-los em pleno eleitoral.
Além disso, pelo princípio da anualidade fiscal, um imposto só pode entrar em vigor no ano seguinte à sua criação e aprovação pela casa legislativa (no caso, as Assembleias Estaduais).
Dessa forma, os governadores não teriam como criar novos tributos em pleno ano eleitoral para só começar a arrecadá-los no ano seguinte (em 2023), gerando um rombo nas contas estaduais.
Os governadores ficariam expostos ainda às penalidades impostas pelos Tribunais de Contas Estaduais ao apresentaram contas desequilibradas ao final de seu mandato.
Isto seria um risco muito elevado para correr, argumentam os governadores. Líderes do Governo Federal no Congresso argumentam que a PEC é autorizativa e não impositiva, ou seja, os Governadores não estariam obrigados a reduzir os impostos sobre os combustíveis (gasolina, diesel etc), mas poderiam fazê-lo se o desejassem.
O que esperar, então, da PEC dos Combustíveis a ser enviada pelo Governo Federal e do PL 1472/2021 em tramitação no Senado Federal?
A PEC proposta pelo Palácio Planalto, caso aprovada em negociação com os governadores, permitiria que o governo federal reduzisse imediatamente os impostos federais (CIDE, PIS e COFINS) sobre os preços do diesel e do gás de cozinha, o que já retiraria uma grande fonte de pressão sobre os preços e consequentemente sobre as taxas de inflação.
A aprovação do PL n° 1472/2021, por sua vez, permitiria uma estabilização dos preços estaduais dos combustíveis, mudando a data base de fixação de preços.
Dessa forma, a PEC dos Combustíveis a ser enviada pelo Governo Federal e o PL n° 1472/2021 são, na verdade, complementares e ambos, se implementados em conjunto, podem contribuir para uma nova política de combustíveis para o país.
[1] O texto é mais amplo e poderia incluir mesmo gás de cozinha e eletricidade. Neste artigo, vamos focar na política de combustíveis voltada especificamente para o diesel, gasolina e etanol.
[2] Lembrando que pelo Decreto nº 10.638/ 2021 e Medida Provisória nº 1.034/2021, publicados no DOU de 01/03/2021. O Decreto nº 10.638 reduziu as alíquotas da Contribuição para o Programa de Integração Social e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) incidentes sobre a comercialização interna e a importação de óleo diesel e de gás liquefeito de petróleo (GLP) destinado ao uso doméstico e envasado em recipientes de até 13 quilos.
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*artigo escrito por Ricardo Caldas, consultor e professor da UnB.
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